XIV






As vidas sucessivas – Provas experimentais –

Renovação da memória


Nas páginas precedentes expusemos as razões lógicas que militam em prol da doutrina das vidas sucessivas. Consagraremos o presente capítulo e os seguintes a refutar as objeções dos seus contraditores e entraremos no campo das provas científicas que, todos os dias, vêm consolidá-la.


A objeção mais trivial é esta: “Se o homem já viveu, pergunta-se: por que não se lembra de suas existências passadas?”


Já, sumariamente, indicamos a causa fisiológica desse esquecimento; essa causa é o próprio renascimento, isto é, o revestimento de um novo organismo, de um invólucro material que, sobrepondo-se ao invólucro fluídico, faz, a seu respeito, o papel de um apagador. Em conseqüência da diminuição do seu estado vibratório, o Espírito, cada vez que toma posse de um corpo novo, de um cérebro virgem de toda imagem, acha-se na impossibilidade de exprimir as recordações acumuladas das suas vidas precedentes. Continuarão, é verdade, revelando seus antecedentes em suas aptidões, na facilidade de assimilação, nas qualidades e defeitos; mas todas as particularidades dos fatos, dos sucessos que constituem seu passado, reintegrado nas profundezas da consciência, ficarão veladas durante a vida terrestre. O Espírito, no estado de vigília, apenas poderá exprimir pelas formas da linguagem as impressões registradas por seu cérebro material.


A memória é a concatenação, a associação das idéias, dos fatos, dos conhecimentos. Desde que essa associação desaparece, desde que se rompe o fio das recordações, parece que para nós se apaga o passado, mas só na aparência. Num discurso pronunciado em 6 de fevereiro de 1905, o Prof. Charles Richet, da Academia de Medicina, dizia: “A memória é uma faculdade implacável de nossa inteligência, porque nenhuma de nossas percepções jamais é esquecida. Logo que um fato nos impressionou os sentidos, fixa-se irrevogavelmente na memória. Pouco importa que tenhamos conservado a consciência dessa recordação: ela existe, é indelével.”


Acrescentamos que ela pode ressurgir. O despertar da memória não é mais do que um efeito de vibração produzido pela ação da vontade nas células do cérebro. Para fazermos reviver as lembranças anteriores ao nascimento, é necessário colocarmo-nos novamente em harmonia de vibrações com o estado dinâmico em que nos achávamos na época em que houve a percepção. Não existindo já os cérebros que registraram essas percepções, é preciso procurá-las na consciência profunda; mas esta se conserva calada enquanto o Espírito está encerrado na carne. Para recuperar a plenitude das suas vibrações e reaver o fio das lembranças em si ocultas, é necessário que ele saia e se separe do corpo; então percebe o passado e pode reconstituí-lo nos menores fatos. É isso o que se dá nos fenômenos do sonambulismo e do transe.


Sabemos que há em nós profundezas misteriosas onde lentamente se foram depositando, através das idades, os sedimentos das nossas vidas de lutas, de estudo e de trabalho; ali se gravam todos os incidentes, todas as vicissitudes do passado obscuro. É como um oceano de coisas adormecidas, balouçadas pelas vagas do destino. Um apelo poderoso da vontade pode fazê-lo reviver. A vista do Espírito, nas horas de clarividência, desce para elas como as radiações das estrelas passam das profundezas galácticas até debaixo das abóbadas e das arcadas dos recessos sombrios do mar.


*


Recordemos aqui os pontos essenciais da teoria do “eu”, com a qual têm conexão todos os problemas da memória e da consciência.


Os dois fatores que constituem a permanência e mantêm a identidade, a personalidade do “eu”, são a memória e a consciência. As reminiscências, as intuições e as aptidões determinam a sensação de haver vivido. Existe na inteligência uma continuidade, uma sucessão de causas e efeitos que é preciso reconstituir na sua totalidade para possuir o conhecimento integral do “eu”. É isso, como vimos, impossível na vida material, pois que a incorporação produz uma extinção temporária dos estados de consciência que formam esse todo contínuo. Assim como a vida física está sujeita às alternativas da noite e do dia, assim também se produz um fenômeno análogo na vida do Espírito. A nossa memória e a nossa consciência atravessam alternadamente períodos de eclipse ou de esplendor, de sombra ou de luz, no estado celeste ou terrestre, e até, neste último plano, durante a vigília ou nos diferentes estados do sono. E, assim como há gradações no eclipse, há também graus de luz.


Muitos sonhos, à semelhança das impressões recebidas durante o sono do sonambulismo, não deixam vestígios ao despertar. O esquecimento, todos os magnetizadores o sabem, é um fenômeno constante nos sonâmbulos; mas, desde que o Espírito do sujet, imerso em novo sono, torna a encontrar-se nas condições dinâmicas que permitem a renovação das recordações, estas se reavivam logo. O sujet recorda-se do que fez, disse, viu, exprimiu em todas as épocas da existência.


Por isso compreenderemos facilmente o esquecimento momentâneo das vidas anteriores. O movimento vibratório do invólucro perispiritual, amortecido pela matéria no decurso da vida atual, é excessivamente fraco para que o grau de intensidade e a duração necessária à renovação dessas recordações possam ser obtidos durante a vigília.


Na realidade, a memória não é mais do que uma modalidade da consciência. A recordação está, muitas vezes, no estado subconsciente. Já, no círculo restrito da vida atual, não conservamos a recordação de nossos primeiros anos, a qual está, contudo, gravada em nós, como todos os estados atravessados no decurso de nossa história. Sucede o mesmo com grande número de atos e fatos pertencentes aos outros períodos da vida. Gassendi, dizem, lembrava-se da idade de 18 meses; mas isso é uma exceção. É necessário o esforço mental para reavivar essas recordações da vida normal, a que nos é mais familiar; é necessário, repetimo-lo, para novamente colher mil coisas estudadas, aprendidas e, depois, esquecidas, porque baixaram às camadas profundas da memória.


A cada passo, a inteligência precisa procurar na subconsciência os conhecimentos, as recordações que quer reavivar; esforça-se para fazê-los passar para a consciência física, para o cérebro concreto, depois de tê-los provido dos elementos vitais fornecidos pelos neurônios ou células nervosas. Segundo a riqueza ou a pobreza desses elementos, a recordação surgirá clara ou difusa; às vezes, esquiva-se; a comunicação não pode estabelecer-se, ou então a projeção produz-se mais tarde somente, no momento em que menos se espera.


Para recordar, portanto, a primeira das condições é querer. Aí está a razão pela qual muitos Espíritos, mesmo na vida do espaço, sob o domínio de certos preconceitos dogmáticos, desprezam toda investigação e conservam-se ignorantes do passado que neles dorme. Nesse meio, como entre nós, no decurso da experimentação, é necessária uma sugestão. Vemos essa lei da sugestão manifestar-se em toda parte, debaixo de mil formas; nós mesmos, a cada instante do dia, estamos sujeitos à sua ação. Eleva-se, por exemplo, perto de nós um canto, ressoa uma palavra, um nome, fere-nos a vista uma imagem e, de repente, graças à associação de idéias, desenrola-se em nosso espírito um encadeamento completo de recordações confusas, quase esquecidas, dissimuladas nas camadas profundas da nossa consciência.


Períodos inteiros da nossa vida atual podem apagar-se da memória. No seu livro Lés Phénomènes Psychiques, pág. 170, o Dr. J. Maxwell fala nos seguintes termos do que se chama casos de amnésia:


“Algumas vezes, até desaparece a noção da personalidade; doentes há que, subitamente, esquecem o próprio nome. Apaga-se-lhes toda a vida e parecem voltar ao estado em que estavam quando nasceram; têm de aprender outra vez a falar, a vestir-se e a comer. Às vezes, não é tão completa a amnésia. Pude observar um doente que havia esquecido tudo o que tinha qualquer ligação com a sua personalidade; ignorava absolutamente tudo quanto fizera, não sabia onde nascera nem quem eram seus pais. Tinha cerca de trinta anos. A memória orgânica e as memórias organizadas fora da personalidade subsistiam; podia ler, escrever, desenhar alguma coisa, tocar mal um instrumento de música. Nele a amnésia limitava-se a todos os fatos conexos com a sua personalidade anterior.”


A guerra multiplicou esses casos e pudemos constatar isso nos jornais.


O Dr. Pitre, deão da Faculdade de Medicina de Bordéus, no seu livro L'Hystérie et 1'Hypnotisme, cita um caso que demonstra que todos os fatos e conhecimentos registrados em nós desde a infância podem renascer; é o que ele chama o fenômeno de ecmnésia. O sujet, uma donzela de 17 anos, falava só francês e havia esquecido o dialeto gascão, idioma da sua juventude. Adormecida e transportada pela sugestão à idade de 5 anos, deixava de entender o francês e só falava o seu dialeto; contava as menores particularidades de sua vida infantil, que se lhe apresentavam perfeitamente nítidas, mas não respondia às perguntas feitas, por já não compreender a língua que lhe falavam; esquecera todos os fatos de sua vida que se haviam desenrolado entre as idades de 5 e 17 anos.


O Dr. Burot fez experiências idênticas. O sujet Joana é transportado por ele, mentalmente, a diferentes épocas de sua juventude, e, em cada período, os incidentes da existência desenham-se com precisão em sua memória, mas todo fato ulterior se apaga. Era possível seguir-se, em escala descendente, os progressos de sua inteligência. Chegada à idade de 5 anos, verificou-se que mal sabia ler; escrevia como naquela idade, de maneira atrapalhada e com erros de ortografia que, em tal época, costumava cometer. (127)


Foi comprovada a exatidão de todas essas narrativas. Os sábios que citamos entregaram-se a minuciosas pesquisas; puderam verificar a veracidade dos fatos relatados pelos pacientes, fatos que, no estado normal, se lhes varriam da memória.


Vamos ver que, por um encadeamento lógico e rigoroso, esses fenômenos levam-nos à possibilidade de despertarmos experimentalmente, na parte permanente do ser, as recordações anteriores ao nascimento, o que verificaremos nas experiências de F. Colavida, E. Marata, Coronel de Rochas, etc.


O estado de febre, o delírio, o sono anestésico, provocando a separação parcial, podem também abalar, dilatar as camadas profundas da memória e despertar conhecimentos e lembranças antigas. Todos, sem dúvida, se lembram do célebre caso de Ninfa Filiberto, de Palermo. Com febre, falava várias línguas estrangeiras que há muito tempo esquecera. Eis outros fatos relatados por médicos práticos.


O Dr. Henri Frieborn(128)cita o caso de uma mulher de 70 anos de idade que, gravemente doente de uma bronquite, foi acometida de delírio, de 13 a 16 de março de 1902. Depois, pouco a pouco, foi-lhe voltando a razão:


“Na noite de 13 para 14 percebeu-se que ela falava uma língua desconhecida das pessoas que a rodeavam. Parecia, às vezes, que recitava versos e, outras, que conversava. Por várias vezes repetiu a mesma composição em verso; acabou-se por descobrir que a língua era a indostânica.


Na manhã de 14 começou a misturar-se com o indostânico algum inglês; conversava dessa maneira com parentes e amigos de infância ou então falava deles.


No dia 15 havia, por sua vez, desaparecido o indostânico e a doente dirigiu-se a amigos, que mais tarde conhecera, servindo-se do inglês, do francês e do alemão. A senhora de que se trata nascera na Índia, donde saiu aos três anos de idade, a fim de ir para a Inglaterra, aonde chegou depois de quatro meses de viagem. Até ao dia do desembarque na Inglaterra fora confiada a serviçais hindus e não falava absolutamente nada do inglês.


No dia 13 revivia, no delírio, seus primeiros dias e falava a primeira linguagem que ouvira. Reconheceu-se que a poesia era uma espécie de cantiga com que os ayahs costumavam adormecer as crianças. Quando conversava, dirigia-se, sem dúvida, aos fâmulos hindus; assim, entre outras coisas, compreendeu-se que ela pedia que a levassem ao bazar para comprar doces.


Podia-se reconhecer que havia uma ligação seguida em toda a marcha do delírio. A princípio, foram conhecimentos com que a doente estivera em relação durante a primeira infância; depois, passou em revista toda a sua existência, até chegar, em 16 de março, à época em que se casou e teve filhos que cresceram.


É curioso verificar que, depois de um período de 66 anos, durante o qual ela nunca falara o indostânico, o delírio lhe relembrasse a linguagem da sua primeira infância. Atualmente, a doente fala com facilidade o francês, o alemão e o inglês; mas, posto que conheça ainda algumas palavras do indostânico, é absolutamente incapaz de falar essa língua ou mesmo de compor nela uma única frase.”


O Dr. Sollier, na sua obra Phénomènes d'autoscopie (pág. 105), menciona as experiências seguintes, do Dr. Bain. Trata-se de uma doente de 29 anos de idade, morfinômana e submetida ao “método de ressensibilização sucessiva pela hipnose”:


“Depois de terminarmos o que tínhamos a fazer com o corpo, procedemos ao despertar da cabeça Assistimos a uma regressão da personalidade, não numa única sessão, mas em muitas, há 17 anos. A doente tornava a encontrar-se na idade de 12 anos; revivia todos os períodos de sua vida movimentada, com desdobramento completo da personalidade. Levar-nos-ia muito longe darmos, mesmo em escorço, a história da doente, história à qual assistíamos como se tivéssemos na mão o auscultador de um telefone e escutássemos a um só interlocutor. Eram as cenas de uma pobre operária que se prostituiu para viver e que, doente, se entrega à morfina; implicada em roubos, é julgada duas vezes e cumpre em Saint-Lazare, depois em Nanterre, a pena de um ano de prisão; cenas de família, cenas de oficina, cenas com amantes, horas de prosperidade passageiras, horas de miséria consecutivas, a vida em Saint-Lazare e Nanterre. Em janeiro de 1902, deixava a doente o asilo, a seu pedido; muito melhor, tinha engordado muito, dormia espontaneamente de noite, era ativa e trabalhava. Redigiu, a pedido nosso, uma nota expondo todos os incidentes da sua vida. Essa nota concordava com todas as informações que nos dera na hipnose, ao encontrar outra vez a sensibilidade cerebral.”


Os Annales des Sciences Psychiques, de março de 1906, registraram um caso interessante de amnésia em vigília, referido pelo Dr. Gilbert-Ballet, do hospital de Paris.


“Trata-se de um doente que, em conseqüência de um choque violento, esquecera completamente um trecho considerável de sua vida passada. Lembrava-se muito bem da infância e dos fatos muito remotos, mas se produzira uma lacuna para uma parte da sua existência mais próxima, e não podia lembrar-se dos acontecimentos passados durante esse período da vida. É a isto que se chama amnésia retrógrada. O doente chama-se Dada e tem 50 anos de idade, Desde o dia 4 até ao dia 7 de outubro precedente, operara-se em sua memória um vácuo absoluto. Empregado como jardineiro numa propriedade perto de Nevers, deixara os seus amos no dia 4, e no dia 7 achou-se, sem saber como, em Liège, junto às portas da exposição. De que maneira fez essa longa viagem? Ignora-o e, apesar de todos os esforços, não pôde conseguir a mínima recordação.”


Mas, eis que esse doente é mergulhado na hipnose e para logo se reconstituem todos os incidentes dessa viagem em suas menores particularidades, com a recordação das pessoas encontradas. O senhor Dada está na quarta crise de amnésia nervosa. Recorda-se, adormecido, daquilo que esquecera no estado de vigília, simplesmente porque se encontra de novo na condição anterior, isto é, no estado em que se achava no momento do ataque de amnésia. Esse caso põe-nos também no rastro das leis e condições que regem os fenômenos de renovação da memória das vidas anteriores.


Em resumo, todo estudo do homem terrestre fornece-nos a prova de que existem estados distintos da consciência e da personalidade. Vimos, na primeira parte desta obra, que a coexistência, em nós, de um “mental duplo”, cujas duas partes se juntam e fazem fusão na morte, é atestada não só pelo hipnotismo experimental, mas também por toda a evolução psíquica.


O simples fato dessa dualidade intelectual, considerada nas suas relações com o problema das reencarnações, explica-nos como toda uma parte do “eu”, com seu imenso cortejo de impressões e recordações antigas, pode ficar imersa na sombra durante a vida atual.


Sabemos que a telepatia, a clarividência e a previsão dos acontecimentos são poderes atinentes ao “eu” profundo e oculto. A sugestão facilita o seu exercício; é um apelo da vontade, um convite às almas fracas e incapazes para que saiam do cárcere e tornem temporariamente a entrar na posse das riquezas, das potências que nelas dormitam. Os passes magnéticos desfazem os laços que prendem a alma ao corpo físico, provocam o desprendimento. A partir daí começa a sugestão, pessoal ou estranha, a pôr-se em ação, a exercer-se com mais intensidade. Esse movimento não é somente aplicável ao despertar dos sentidos psíquicos; acabamos de ver que pode também reconstituir o encadeamento das recordações gravadas nas profundezas do ser.


Parece que, em certos casos excepcionais, essa ação pode exercer-se mesmo no estado de vigília. F. Myers (129) fala da faculdade do “subliminal” de evocar estados emocionais desaparecidos da consciência normal e de reviver no passado. Esse fato, diz ele, encontra-se freqüentes vezes nos artistas, cujas emoções revivescidas podem exceder em intensidade as emoções originais.


O mesmo autor emite a opinião de que a teoria mais verossímil para explicar o gênio é a das reminiscências de Platão, com a condição de baseá-las nos dados científicos estabelecidos em nossos dias. (130)


Esses mesmos fenômenos reaparecem com outra forma numa ordem de fatos já assinalados. São as impressões de pessoas que, depois de acidentadas, puderam escapar à morte. Por exemplo, afogados salvos antes da asfixia completa e outros que sofreram quedas graves. Muitos contam que, entre o momento em que caíram e aquele em que perderam os sentidos, todo o espetáculo de sua vida se lhes desenrolou no cérebro de maneira automática, em quadros sucessivos e retrógrados, com rapidez vertiginosa, acompanhados do sentimento moral do bem e do mal, assim como da consciência das responsabilidades em que incorreram.


Th. Ribot, líder do Positivismo francês, na sua obra Les Maladies de la Mémoire, cita numerosos fatos que estabelecem a possibilidade do despertar espontâneo, automático, de todas as cenas ou imagens que povoam a memória, particularmente em caso de acidente.


Lembremos, a esse respeito, o caso do almirante Beaufort, extraído do Journal de Médecine, de Paris. (131)<\sub>Ele caiu ao mar e perdeu, durante dois minutos, o sentido da consciência física. Bastou esse tempo à sua consciência transcendental para resumir toda a sua vida terrestre em quadros reduzidos de uma nitidez prodigiosa. Todos os seus atos, inclusive as causas, as circunstâncias contingentes e os efeitos, desfilaram em seu pensamento. Lembrava-se das próprias reflexões do momento sobre o bem e o mal que deles haviam resultado.


Apresentamos aqui um caso da mesma natureza, relatado pelo Sr. Cottin, aeronauta:


“Em sua última ascensão, o balão Le Montgolfier levava o Sr. Perron, presidente da Academia de Aerostação, como chefe, e F. Cottin, agente administrativo da Associação Científica Francesa.


Tendo subido de um salto, às 4:24 o balão elevou-se a 700 metros. Foi então que rebentou e começou a descer com velocidade maior do que aquela com que subira e às 4:27 afundou-se pela casa número 20 do beco do Cavaleiro, em Saint-Ouen. “Depois de ter atirado fora tudo quanto podia complicar a situação, diz-nos o Sr. Cottin, (132)apossou-se de mim uma espécie de quietação, de inércia talvez; mil recordações remotas afluem, comprimem-se, chocam-se diante da minha imaginação; depois as coisas acentuam-se e o panorama de minha vida vem desenrolar-se diante do meu espírito atento. É tudo exato: os castelos no ar, as decepções, a luta pela existência; e tudo isso dentro do caixilho inexorável imposto pelo destino... Quem acreditará, por exemplo, que eu me tornei a ver, aos vinte anos, sargento no 22º de Linha?... Tornei a ver-me de mochila às costas na estrada de Vendôme. Em menos de três minutos vi desfilar toda a minha vida diante da memória.”


Podem explicar-se esses fenômenos por um princípio de exteriorização. Nesse estado, como na vida do espaço, a subconsciência une-se à consciência normal e reconstitui a consciência total, a plenitude do “eu”. Por um instante, restabelece-se a associação das idéias e dos fatos, reata-se a cadeia das recordações. Pode-se obter o mesmo resultado pela experimentação; mas, então, o sujet precisa ser auxiliado em suas pesquisas por uma vontade superior à dele em poder, que se lhe associa e lhe estimula os esforços. Nos fenômenos do transe é esse papel desempenhado ou pelo Espírito-guia ou pelo magnetizador, cujo pensamento atua sobre o sujet como uma alavanca.


As duas vontades, combinadas, sobrepostas, adquirem, então, uma intensidade de vibrações que põe em abalo as camadas mais profundas e mais ocultas do subconsciente.


*


Outro ponto essencial deve prender a nossa atenção. É o fato, estabelecido por toda a ciência fisiológica, de existir íntima correlação entre o físico e o mental do homem. A cada ação física corresponde um ato psíquico e vice-versa. Ambos são registrados ao mesmo tempo na memória subconsciente de tal maneira que um não pode ser evocado sem que surja imediatamente o outro. Essa concordância aplica-se aos menores fatos da nossa existência integral, tanto no que diz respeito ao presente, como no que toca aos episódios do passado mais remoto.


A compreensão desse fenômeno, pouco inteligível para os materialistas, é-nos facilitada pelo conhecimento do perispírito ou invólucro fluídico da alma. É nele que se gravam todas as nossas impressões, e não no organismo físico composto de matéria inconsistente, incessantemente variável nas suas células constitutivas.


O perispírito é o instrumento de precisão que aponta com fidelidade absoluta as menores variações da personalidade. Todas as volições do pensamento e todos os atos da inteligência têm nele a sua repercussão. Os seus movimentos e os seus estados vibratórios distintos deixam nele traços sucessivos e sobrepostos. Certos experimentadores compararam esse modo de registro a um cinematógrafo vivo sobre o qual se fixam sucessivamente nossas aquisições e recordações. Desenrolar-se-ia por uma espécie de empuxo ou abalo causado quer pela ação de uma sugestão, quer por uma auto-sugestão, ou então em conseqüência de um acidente, como vimos.


A influência do pensamento sobre o corpo já nos é revelada por fenômenos observáveis em nós mesmos e em volta de nós. O medo paralisa os movimentos; a admiração, a vergonha e o susto provocam a palidez ou o rubor; a angústia aperta-nos o coração, a dor profunda faz-nos correr as lágrimas e pode causar com o tempo uma depressão vital. Aí estão outras tantas provas manifestas da ação poderosa da força mental sobre o invólucro material.


O Hipnotismo, desenvolvendo a sensibilidade do ser, demonstra-nos ainda com maior nitidez a ação reflexa do pensamento.


Vimos que a sugestão de uma queimadura pode produzir num sujet tantas desordens como a própria queimadura. Provoca-se, à vontade, a aparição de chagas, estigmas, etc. (133)


Se o pensamento e a vontade podem exercer tal influência sobre a matéria corporal, compreender-se-á que essa influência seja ainda maior e produza efeitos mais intensos quando for aplicada à matéria fluídica, imponderável, de que o perispírito é formado. Menos densa, menos compacta que a matéria física, obedecerá com muito mais flexibilidade, mais docilidade, às menores volições do pensamento. É em virtude dessa lei que os Espíritos podem aparecer com qualquer das formas que revestiram no passado e com todos os atributos da individualidade extinta. Basta-lhes pensarem com vigor numa fase qualquer das suas existências para se mostrarem aos videntes, tais quais eram na época evocada em sua memória; e, embora a força psíquica necessária lhes seja fornecida em pequena quantidade por um ou mais médiuns, as materializações tornam-se possíveis.


O Coronel de Rochas, conseguindo, em suas experiências, insular o corpo fluídico, demonstrou ser ele a sede da sensibilidade e das recordações. (134) O Hipnotismo e a Fisiologia combinados permitem-nos, de ora em diante, estudar a ação da alma despida do seu invólucro grosseiro e unida ao corpo sutil; não tardarão em ministrar-nos os meios de elucidarmos os mais delicados problemas do ser. A experimentação psíquica encerra a chave de todos os fenômenos da vida; está destinada a renovar inteiramente a ciência moderna, lançando luz viva sobre grande número de questões obscuras até ao presente.


Vamos ver agora, nos fenômenos hipnóticos e particularmente no transe, que as impressões registradas pelo corpo fluídico de maneira indelével formam íntimas associações. As impressões físicas estão ligadas às impressões morais e intelectuais, de tal modo que não é possível chamar umas sem aparecerem as outras. A sua reaparição é sempre simultânea.


Essa íntima correlação do físico e do moral, na sua aplicação às lembranças gravadas em nós, é demonstrada por experiências numerosas. Citemos primeiro as de sábios positivistas, que, apesar de suas prevenções a respeito de toda teoria nova, a confirmam sem darem por isso.


Pierre Janet, professor de Fisiologia na Sorbonne, expõe os fatos que se seguem. (135)As experiências são feitas em seu sujet, Rosa, adormecido:


“Sugiro a Rosa que não estamos em 1888, mas em 1886, no mês de abril, para verificar simplesmente modificações de sensibilidade que poderiam produzir-se; mas, nisso, produz-se um acidente muito singular. Ela geme, queixa-se de estar cansada e de não poder andar.


– Então, que é que tem? – pergunto-lhe.


– Oh! não é nada... Em que estado me acho!


– Que estado?


Responde-me com um gesto. O ventre crescera-lhe de repente e distendera-se por um acesso súbito de timpanite histérica. Sem saber, eu a transportara a um período da sua vida, em que ela estava grávida.


Estudos mais interessantes foram feitos em Maria por esse meio. Pude, fazendo-a voltar sucessivamente a diferentes períodos da sua existência, verificar todos os diversos estados da sensibilidade pelos quais ela passou e as causas de todas as modificações. Assim, está agora completamente cega do olho esquerdo e pretende que assim se encontra desde que nasceu. Fazendo-a voltar à idade de sete anos, verifica-se que padece ainda anestesia no olho esquerdo; mas, se lhe sugerir que tem seis anos, nota-se que vê bem com ambos os olhos e pode-se determinar a época e as circunstâncias bem curiosas em que perdeu a sensibilidade do olho esquerdo. A memória realizou automaticamente um estado de saúde do qual o sujet julgava não haver conservado nenhuma recordação.”


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A possibilidade de despertar na consciência de um sujet em estado de transe as recordações esquecidas de sua infância conduz-nos, logicamente, à renovação das recordações anteriores ao nascimento. Essa ordem de fatos foi pela primeira vez assinalada no Congresso Espírita de Paris, em 1900, por experimentadores espanhóis. Fazemos um extrato do relatório lido na sessão de 25 de setembro:(136)


“Entrando o médium em sono profundo por meio de passes magnéticos, Fernandez Colavida, presidente do Grupo de Estudos Psíquicas de Barcelona, ordenou-lhe que dissesse o que tinha feito na véspera, na antevéspera, uma semana, um mês, um ano antes e, sucessivamente, fê-lo remontar até à infância e descrevê-la com todos os pormenores.


Sempre impulsionado pela mesma vontade, o médium contou a sua vida no espaço, a sua morte na última encarnação e, continuamente estimulado, chegou até quatro encarnações, a mais antiga das quais era uma existência inteiramente selvagem. Em cada existência, as feições do médium mudavam de expressão. Para trazê-lo ao estado habitual, fez-se com que voltasse gradualmente até à sua existência atual; depois foi despertado.


Algum tempo depois, de improviso, com o intento de contraprova, o experimentador fez magnetizar o mesmo paciente por outra pessoa, sugerindo-lhe que as suas precedentes descrições eram histórias. Sem embargo da sugestão, o médium reproduziu a série das quatro existências como o fizera antes. O despertar das recordações e o seu encadeamento foram idênticos aos resultados obtidos na primeira experiência.”


Na mesma sessão desse Congresso, Esteve Marata, presidente da União Espírita de Catalunha, declara ter obtido fatos análogos pelos mesmos processos, sendo paciente, em estado de sono magnético, sua própria esposa. A propósito de uma mensagem dada por um Espírito e que tinha relação com uma das vidas passadas do sujet, ele pôde despertar, na consciência dela, os vestígios das suas existências anteriores.


Desde então têm sido essas experiências tentadas em muitos centros de estudo. Têm-se obtido assim numerosas indicações a respeito das vidas sucessivas da alma; essas experiências hão de provavelmente multiplicar-se a cada dia. Notemos, entretanto, que elas reclamam grande prudência. Os erros e as fraudes são fáceis; são de recear perigos. O experimentador deve escolher pacientes muito sensíveis e bem desenvolvidos, necessita ser assistido por um Espírito bastante poderoso para afastar todas as influências estranhas, todas as causas de perturbação e preservar o médium de acidentes possíveis, o mais grave dos quais seria a separação completa, irremediável, a impossibilidade de compelir o Espírito a retomar o corpo, o que ocasionaria a separação definitiva, a morte.


É necessário, principalmente, precatar-se contra os excessos da auto-sugestão e aceitar somente as descrições dentro dos limites em que é possível examiná-las, verificá-las; exigir nomes, datas, pontos de referência, numa palavra, um conjunto de provas que apresentem caráter realmente positivo e científico. Seria bom imitar nesse ponto o exemplo dado pela Sociedade de Investigações Psíquicas de Londres e adotar métodos precisos e rigorosos, por exemplo, os que granjearam uma grande autoridade para os seus trabalhos sobre Telepatia.


A falta de precaução e a inobservância das regras mais elementares da experimentação fizeram das incorporações de Hélène Smith um caso obscuro e cheio de dificuldades.


Não obstante, no meio da confusão dos fatos apontados pelo Sr. Th. Flournoy, professor na Universidade de Genebra, entendemos que se deve reter o fenômeno da princesa hindu Simandini. Essa médium, no estado de transe, reproduz as cenas de uma das suas existências ocorridas na Índia, no século XII. Nesse estado, serve-se freqüentes vezes de palavras sânscritas, língua que ela ignora no estado normal; dá, sobre personagens históricas hindus, indicações que não se encontram em nenhuma obra usual. A confirmação dessas indicações é descoberta pelo Sr. Th. Flournoy, depois de muitas investigações, na obra de Marlès, historiador pouco conhecido e inteiramente fora do alcance do sujet. Hélène Smith, no sono sonambúlico, toma uma atitude impressionante. Extratamos o que diz Flournoy num livro que teve grande voga:(137)


“Há em todo o ser, na expressão da sua fisionomia, em seus movimentos, no timbre da voz, quando fala ou canta em indostânico, uma graça indolente, um abandono, uma doçura melancólica, um quê de langoroso e sedutor que corresponde ao caráter do Oriente.


Toda a mímica de Hélène, tão vária, e o falar exótico, ambos têm tal cunho de originalidade, de facilidade, de naturalidade, que se pergunta com estupefação donde vem a essa filha das margens do Lemano, sem educação artística nem conhecimentos especiais do Oriente, uma perfeição de jogo cênico à qual, sem dúvida, a melhor atriz só chegaria à custa de estudos prolongados ou de uma estada nas margens do Ganges.”


Quanto à escrita e à linguagem indostânica empregadas por Hélène, o Sr. Flournoy acrescenta que, nas investigações que fez para averiguar donde lhe vinha tal conhecimento, “todas as tentativas falharam”.


Nós mesmos pudemos observar, durante muitos anos, casos semelhantes ao de Hélène Smith. Um dos médiuns do grupo, cujos trabalhos dirigíamos, reproduzia no transe, sob a influência do Espírito-guia, cenas das suas diferentes existências. A princípio, foram as da vida atual no período infantil com expressões características e emoções juvenis; depois, vieram episódios de vidas remotas com jogos de fisionomia, atitudes, movimentos, reminiscências de expressões da meia-idade, um conjunto completo de detalhes psicológicos e automáticos muito diferentes dos costumes atuais da dama, senhora muito honesta e incapaz de fingimento algum, pela qual obtínhamos esses estranhos fenômenos.


O coronel A. de Rochas, antigo administrador da Escola Politécnica, ocupou-se muito desse gênero de experiências. Apesar das objeções que elas podem suscitar, cremos dever relatar algumas de suas experiências. Vamos dizer o porquê.


A princípio, tornamos a encontrar em todos os fatos da mesma ordem, provocados pelo Sr. de Rochas, a correlação do físico e do mental que já assinalamos e que parece ser a expressão de uma lei. As reminiscências anteriores ao nascimento produzem, no organismo dos pacientes adormecidos, efeitos materiais verificados por todos os assistentes, muitos dos quais eram médicos. Ora, ainda que se leve em conta o papel que nessas experiências pode representar a imaginação dos sujets; ainda que se levem em conta os arabescos que ela borda em torno do fato principal, é tanto mais difícil se atribuírem esses efeitos a simples fantasias dos sujets quando, segundo as próprias expressões do coronel, “se tem plena certeza da sua boa-fé e de que as suas revelações são acompanhadas de característicos somáticos que parecem provar, de maneira absoluta, a sua realidade”(138).


Damos a palavra ao Coronel de Rochas:(139)


“Há muito tempo se sabia que, em certas circunstâncias, notadamente quando se está para morrer, recordações, desde muito tempo em olvido, sucedem-se com extrema rapidez no espírito de algumas pessoas, como se diante da sua vista se desenrolassem os quadros de toda a sua vida.


Determinei experimentalmente um fenômeno análogo em sujets magnetizados, com a diferença de que, em vez de revocar simples recordações, faço tomar aos pacientes os estados de alma correspondentes às idades a que os reconduzo, com esquecimento de tudo o que é posterior a essas épocas. Essas transformações operam-se por meio de passes longitudinais, que têm, de ordinário, por efeito tornar mais profundo o sono magnético. As mudanças de personalidade, se assim se podem chamar os diferentes estados de um mesmo indivíduo, sucedem-se, invariavelmente, segundo a ordem dos tempos, fazendo-o voltar ao passado quando se empregam passes longitudinais, para tornar na mesma ordem, ao presente, quando se recorre aos passes transversais ou despertadores. Enquanto o paciente não volta ao estado normal, apresenta insensibilidade cutânea. Podem precipitar-se as transformações com o auxílio da sugestão, mas é preciso percorrer sempre as mesmas fases e não proceder com muita pressa. Não se observando esta condição, provocam-se os gemidos do sujet, que se queixa de que o torturam e de que não pode seguir-vos.


Quando fiz os primeiros ensaios, parava logo que o paciente, transportado à primeira infância, já não me sabia responder; pensava não ser possível ir mais longe. Entretanto, tentei um dia tornar mais profundo o sono, continuando os passes, e grande foi a minha admiração quando, interrogando o dormente, me achei na presença de outra personalidade, que dizia ser a alma de um morto que usara tal nome e vivera em tal país. Parecia assim abrir-se novo caminho. Continuando os passes no mesmo sentido, fiz reviver o morto e esse ressuscitado percorreu toda a sua vida precedente, remontando o curso do tempo. Aqui não eram, tampouco, simples recordações que eu despertava, mas sucessivos estados de alma que fazia reaparecer.


À medida que repetia as experiências, essa viagem pelo passado efetuava-se cada vez com mais rapidez, passando sempre exatamente pelas mesmas fases, de maneira que pude assim remontar a muitas existências anteriores sem haver demasiada fadiga para o paciente e para mim. Todos os sujets, quaisquer que fossem as suas opiniões no estado de vigília, apresentavam o espetáculo de uma série de individualidades cada vez menos adiantadas moralmente, à medida que se remontava o curso das idades. Em cada existência expiava-se, por uma espécie de pena de talião, as faltas da existência precedente e o tempo que separava duas encarnações passava-se num meio mais ou menos luminoso, segundo o estado de adiantamento do indivíduo.


Passes despertadores faziam o sujet voltar ao estado normal, percorrendo as mesmas etapas, exatamente na ordem inversa.


Quando verifiquei por mim mesmo e por outros experimentadores, operando em outras cidades com outros sujets, que não se tratava de simples sonhos que pudessem provir de causas fortuitas, mas de uma série de fenômenos, apresentados de maneira regular com todos os característicos aparentes de uma visão no passado ou no futuro, pus todos os meus cuidados em investigar se essa visão correspondia à realidade.”


O resultado das inquirições a que procedeu o Coronel de Rochas não o satisfez inteiramente, o que não o impediu de concluir nestes termos:(140)


“É certo que por meio de operações magnéticas se pode, progressivamente, trazer a maior parte dos sensitivos a épocas anteriores à sua vida atual, com as particularidades intelectuais e fisiológicas características dessas épocas, e isso até o momento de seu nascimento. Não são lembranças que se acordam; são estados sucessivos da personalidade que são evocados; essas evocações se produzem sempre na mesma ordem e através de uma sucessão de letargias e estados sonambúlicos.


Também é certo que, continuando essas operações magnéticas, além do nascimento, e sem haver necessidade de recorrer-se às sugestões, faz-se passar o sujet por estados análogos correspondentes às encarnações precedentes e aos intervalos que separam essas encarnações. O processo é o mesmo, através das sucessões de letargias e estados sonambúlicos.”


As concordâncias, convém repeti-lo, que existem entre os fatos verificados por sábios materialistas hostis ao princípio das vidas sucessivas, tais como Pierre Janet, o Dr. Pitre, o Dr. Burot, etc., e os relatados pelo Coronel de Rochas, demonstram que há nesses fatos mais do que sonhos ou romances “subliminais”; há uma lei de correlação que merece estudo atento e continuado. Por isso pareceu-nos conveniente insistir sobre esses fatos.


Em primeiro lugar, convém mencionar uma série de experiências feitas em Paris com Laurent V..., rapaz de 20 anos, que cursava o grau de licenciando em Filosofia. Os resultados foram publicados em 1895 nos Annales des Sciences Psychiques. O Sr. de Rochas resumiu-os assim:(141)


“Tendo verificado que era sensitivo, quisera, por sua própria vontade, compreender a razão dos efeitos fisiológicos e psicológicos que poderiam ser obtidos por meio do magnetismo.


Descobri casualmente que, adormecendo-o por meio de passes longitudinais, trazia-o a estados de consciência e de desenvolvimento intelectual correspondentes a idades cada vez menos adiantadas; passava, assim, sucessivamente a aluno de Retórica, de segunda, de terceira classe, etc., já nada sabendo do que se ensinava nas classes superiores. Acabei por levá-lo ao tempo em que aprendia a ler e deu-me, acerca da sua mestra e dos seus companheirozinhos de escola, particularidades que esquecera completamente na vigília, mas cuja exatidão me foi confirmada por sua mãe.


Alternando os passes adormecedores e os passes despertadores, fazia-o subir ou descer, à minha vontade, pelo curso de sua vida.”


Com os fatos que se vão seguir, vai dilatar-se o círculo dos fenômenos. Acrescenta o Coronel:


“Há muito pouco tempo encontrei em Grenoble e Voiron três sujets que possuíam faculdades semelhantes, cuja realidade pude igualmente verificar. Vindo-me a idéia de continuar os passes adormecedores depois de tê-los levado à mais tenra infância e os passes despertadores depois de tê-los reconduzido à sua idade atual, fiquei muito admirado de ouvi-los narrar sucessivamente todos os acontecimentos de suas existências pretéritas, passando pela descrição do seu estado entre duas existências. As indicações, que não variavam nunca, eram de tal modo categóricas que pude fazer indagações. De fato verifiquei, assim, a existência real dos nomes, dos lugares e de famílias que entravam nas suas narrativas, posto que, no estado de vigília, de nada se recordassem; mas não pude achar nos documentos do estado civil vestígio algum das personagens obscuras que eles teriam vivido.”


Extraímos outras minúcias complementares de um estudo do Sr. de Rochas, mais extenso que o precedente: (142)


“Esses sujets não se conheciam. Uma, chamada Josefina, conta 18 anos, habita em Voiron e não é casada; a outra, Eugênia, tem 35 anos e vive em Grenoble; é viúva, tem dois filhos e é de natureza apática, muito franca e pouco curiosa; ambas têm boa saúde e procedimento regular. Pude, em virtude de conhecer suas famílias, verificar a exatidão de suas revelações retrospectivas em um sem-número de circunstâncias que nenhum interesse teriam para o leitor. Citarei somente algumas relativas a Eugênia, para dar-lhes uma idéia a tal respeito; são extratos das atas das nossas sessões com o Dr. Bordier, diretor da Escola de Medicina de Grenoble.


Adormecida, transporto-a a alguns anos antes, vejo uma lágrima sobre os olhos; diz-me que tem 20 anos e que acaba de perder um filho.


... Continuação dos passes. Sobressalto brusco com grito de pavor; viu aparecerem ao seu lado os fantasmas da avó e de uma tia, falecidas havia pouco tempo. (Essa aparição, que se deu na idade a que a levei, causara-lhe impressão muito profunda.)


... Ei-la agora com onze anos. Vai à primeira comunhão; os seus pecados mais graves são ter desobedecido algumas vezes à vovó e, principalmente, ter tirado um soldo do bolso do papai; teve muita vergonha e pediu perdão.


... Aos nove anos – Sua mãe morreu há oito dias; é grande a sua dor. Seu pai, tintureiro em Vinay, acaba de mandá-la para a casa do avô, em Grenoble, para aprender a coser.


... Aos seis anos – Anda na escola em Vinay e já sabe escrever bem.


... Aos quatro anos – Quando não está na escola, cuida da irmãzinha; começa a fazer riscos e a escrever algumas letras.


Passes transversais, despertando-a, fazem-na passar exatamente pelas mesmas fases e pelos mesmos estados de alma.”


O Coronel faz experiências sobre o que ele chama o “instinto do pudor”, em diferentes fases do sono. Levanta um pouco o vestido de Eugênia, que, de cada vez, o abaixa com vivacidade ou dá-lhe sopapos. “Quando pequena, não reage contra esse procedimento; o pudor não acordou ainda.”


“Josefina, em Voiron, apresentou os mesmos fenômenos relativamente ao instinto do pudor e à escrita em diferentes idades. (Seguem-se cinco espécimes mostrando o progresso de sua instrução, dos 4 aos 16 anos.)


Até agora temos caminhado em terreno firme; observamos um fenômeno fisiológico de difícil explicação, mas que numerosas experiências e observações permitem considerar como certo. Vamos agora entrever horizontes novos.


Deixamos Eugênia como criancinha amamentada por sua mãe. Tornando-lhe mais profundo o sono, determinei uma mudança de personalidade. Já não estava viva; flutuava numa semi-obscuridade, não tendo pensamento, nem necessidade, nem comunicação com ninguém. Depois, recordações ainda mais remotas.


Fora antes uma menina, falecida muito novinha, de febre causada pela dentição; vê os pais chorando em volta de seu corpo, do qual ela separou-se muito depressa.


Procedi depois ao despertar, fazendo os passes transversais. Enquanto desperta, percorre em sentido inverso todas as fases assinaladas precedentemente e dá-me novos pormenores provocados pelas minhas perguntas. Algum tempo antes da última encarnação, sentiu que devia reviver em certa família; aproximou-se da que devia ser sua mãe e que acabava de conceber...


Entrou pouco a pouco, “por baforadas”, no pequenino corpo. Até aos sete anos viveu, em parte, fora desse corpo carnal, que ela via, nos primeiros meses de sua vida, como se estivesse colocada fora dele. Não distinguia bem, então, os objetos materiais que a cercavam, mas, em compensação, percebia Espíritos flutuando em derredor. Uns, muito brilhantes, protegiam-na contra outros, escuros e malfazejos, que procuravam influenciar-lhe o corpo físico. Quando o conseguiam, provocavam aqueles acessos de raiva, a que as mães chamam manhas.”


Seguem-se longos pormenores, muito interessantes, sobre outras existências da personalidade, que fora em último lugar Josefina; e o Sr. de Rochas termina assim:


“Em Voiron tenho por espectadora habitual das minhas experiências uma menina de espírito muito circunspeto, muito refletido, e de modo nenhum sugestionável, a Srta. Luisa, que possui em muito alto grau a propriedade (relativamente comum em grau menor) de perceber os eflúvios humanos e, por conseguinte, o corpo fluídico. Quando Josefina aviva a memória do passado, observa-se-lhe em volta uma aura luminosa percebida por Luisa; ora, essa aura torna-se, aos olhos de Luisa, escura, quando Josefina se acha na fase que separa duas existências. Em todos os casos Josefina reage vivamente quando toco em pontos do espaço onde Luisa diz perceber a aura, quer seja luminosa ou sombria.


É muito difícil conceber como ações mecânicas, quais as dos passes, determinam o fenômeno da regressão da memória de maneira absolutamente certa até um momento determinado, e como essas ações, continuadas exatamente da mesma forma, mudam bruscamente, nesse momento, o seu efeito, para somente originarem alucinações.”


*


Nada acrescentaremos a tais comentários, com receio de enfraquecê-los. Preferimos passar sem transição a outra série de experiências do Sr. de Rochas, feitas em Aix-en-Provence, experiências relatadas, sessão por sessão, nos Annales des Sciences Psychiques, de julho de 1905. (143)


É sujet uma jovem de 18 anos, que goza de saúde perfeita e que nunca ouviu falar de magnetismo nem de Espiritismo. A Srta. Marie Mayo é filha de um engenheiro francês falecido no Oriente; foi educada em Beirute, onde fora confiada aos cuidados de criados indígenas; estava aprendendo a ler e escrever em árabe. Foi, depois, reconduzida à França e habita Aix, com uma tia.


As sessões tinham como testemunhas o Dr. Bertrand, antigo presidente da Câmara Municipal de Aix, médico da família, e o Sr. Lacoste, engenheiro, a quem se deve a redação da maior parte das atas. Essas sessões foram em grande número. A enumeração dos fatos ocupa 50 páginas dos Annales. As primeiras experiências, empreendidas durante o mês de dezembro de 1904, têm por objeto a renovação das recordações da vida atual. A paciente, imersa na hipnose pela vontade do coronel, retrocede gradualmente ao passado e revive as cenas da sua infância; dá, em diferentes idades, espécimes de sua letra, que se podem examinar. Aos 8 anos escreve em árabe e traça caracteres que depois esqueceu.


Obtém-se, a seguir, a renovação das vidas anteriores. Alternadamente, subindo o curso de suas existências à época atual, o sujet, sob o império dos processos magnéticos que indicamos, passa e torna a passar pelas mesmas fases, na mesma ordem, direta ou retrógrada, com uma morosidade, diz o coronel, “que torna as explorações difíceis para além de certo número de vidas e de personalidades”.


Não é possível o fingimento. Mayo atravessa os diferentes estados hipnóticos e, em cada um, manifesta os sintomas que o caracterizam. O Dr. Bertrand verifica repetidas vezes a catalepsia, a contratura, a insensibilidade completa. Mayo passa a mão por cima da chama de uma vela sem a sentir. “Não tem nenhuma sensibilidade para o amoníaco; os olhos não reagem à luz; a pupila não é impressionada por um candeeiro ou vela que se lhe apresente de súbito muito perto da vista ou que rapidamente se retire”. (144) Em compensação, acentua-se a sensibilidade a distância, o que demonstra, com toda a evidência, o fenômeno da exteriorização. Citemos as atas:


“Faço subir Mayo o curso dos anos; ela, desse modo, vai até à época do seu nascimento. Fazendo-a chegar mais longe ainda, lembra-se de que já viveu, de que se chamava Line, de que morreu afogada, de que se elevou depois ao ar, de que viu seres luminosos; mas, que não lhe fora permitido falar-lhes. Além da vida de Line, torna a encontrar-se outra vez na erraticidade, mas num estado muito penoso; porque antes havia sido um homem “que não fora bom”.


Nessa encarnação chamava-se Charles Mauville. Estreou-se na vida pública como empregado num escritório em Paris. Havia, então, contínuos combates na rua. Ele mesmo matou gente e nisso tinha prazer, era mau. Cortavam-se as cabeças nas praças.


Aos cinqüenta anos deixou o escritório, está doente (tosse) e não tarda a morrer. Pode seguir o seu enterro e ouvir gente dizer: “Aquele foi um estróina a valer.” Sofre, é infeliz. Afinal, passa para o corpo de Line.


Outras sessões reconstituem a existência de Line, a bretã. “Retardo os passes quando chego à época de sua morte; a respiração torna-se então entrecortada; o corpo balouça-se como levado pelas vagas e ela apresenta sufocações.”


Sessão de 29 de dezembro de 1904 – O Sr. de Rochas ordena: “Torna a ser Line... no momento em que se afoga.” Imediatamente, Mayo faz um movimento brusco na poltrona; vira-se para o lado direito com o rosto nas mãos e fica assim alguns segundos. Dir-se-ia ser uma primeira fase do ato que é executado voluntariamente, porque, se Line morreu afogada, é um afogamento voluntário, um suicídio, o que dá à cena aspecto inteiramente particular, bem diferente de um afogamento involuntário.


Depois, Mayo vira-se bruscamente para o lado esquerdo. Os movimentos respiratórios precipitam-se e tornam-se difíceis; o peito levanta-se com esforço e irregularidade; o rosto exprime ansiedade, angústia; os olhos estão espantados; faz verdadeiros movimentos de deglutição, como se engolisse água, mas contra sua vontade, porque se vê que resiste; nesse momento dá alguns gritos inarticulados; torce-se mais do que se debate e o rosto exprime sofrimento tão real que o Sr. de Rochas ordena-lhe que envelheça algumas horas. Depois, pergunta-lhe:


– Debateste-te por muito tempo?


– Debati-me.


– E uma morte má?


– É.


– Onde estás?


– No escuro.


30 de dezembro de 1904 – Existência de Ch. Mauville. Mayo descreve uma das fases da doença que o mata; parece passar pelos sintomas característicos das moléstias do peito; opressão, acessos de tosse penosos; morre e assiste ao seu funeral.


– Havia muita gente no acompanhamento?


– Não.


– Que diziam de ti? Não diziam bem, não é verdade? Recordavam que tinhas sido um homem mau?


(Depois de hesitar, e baixinho:) – Sim.


Em seguida está no “escuro”; o Coronel faz com que o atravesse rapidamente e ela reencarna na Bretanha. Vê-se menina, depois donzela, tem 16 anos e não conhece ainda seu futuro marido; aos 18 anos encontra aquele que o há de ser, casa-se pouco depois e vem a ser mãe. Assistimos então a uma cena de parto de realismo surpreendente. (145) A paciente revolve-se na cadeira, os membros inteiriçam-se, o rosto contrai-se e os seus sofrimentos parecem tão intensos que o Coronel lhe ordena que os passe com rapidez.


Tem agora 22 anos, perdeu o marido num naufrágio e seu filhinho morreu. Desesperada, afoga-se. Esse episódio, que ela já reproduziu em outra sessão, é tão doloroso que o Coronel prescreve-lhe que passe além, o que ela faz, mas não sem experimentar violento abalo. No “escuro” em que se vê depois, não sofre, como dissemos, quanto sofrera no “escuro” depois da morte de Ch. Mauville; reencarna na sua família atual e volta à idade que tem. A mudança é operada por meio dos passes magnéticos transversais.”


31 de dezembro de 1904 – “Proponho-me, nessa sessão, obter alguns novos pormenores a respeito da personalidade de Charles Mauville e tratar de fazer chegar Mayo até uma vida precedente. Torno, portanto, rapidamente, mais profundo o sono, empregando passes longitudinais, até à infância de Mauville. No momento em que o interrogo, tem 5 anos. O pai é contramestre numa manufatura, a mãe traja de preto e tem na cabeça uma touca. Continuo a tornar o sono mais profundo.


Antes de nascer está na “escuridão”. Sofre. Anteriormente fora uma dama casada com um gentil-homem da Corte de Luis XIV; chamava-se Madeleine de Saint-Marc.


Informações da vida dessa senhora: conheceu a Senhorita de La Vallière, que lhe era simpática; mal conhece a Sra. de Montespan, e a Sra. de Maintenon desagrada-lhe.


– Diz-se que o rei desposou-a secretamente?


– Qual! É simplesmente amante dele.


– E qual é a sua opinião a respeito do rei?


– E um orgulhoso.


– Conhece Scarron?


– Santo Deus! Que feio ele é!


– Viu representar Molière?


– Vi, mas não gosto muito dele.


– Conhece Corneille?


– É um selvagem.


– E Racine?


– Conheço principalmente as suas obras e tenho-as em grande conta. (146)


Proponho-lhe fazê-la envelhecer para que veja o que lhe sucederá mais tarde. Recusa formal. Debalde ordeno imperiosamente; não consigo vencer a sua resistência senão com emprego de passes transversais enérgicos, aos quais procura por todos os meios esquivar-se.


No momento em que eu paro, ela tem 40; deixou a Corte; tosse e sente-se doente do peito. Faço-a falar a respeito do seu caráter; confessa que é egoísta e ciumenta, que tem ciúmes principalmente das mulheres bonitas.


Continuando os passes transversais, faço-a chegar aos 45 anos, idade em que morre de tuberculose pulmonar. Assisto a uma agonia curta e ela entra na escuridão. Desperta sem demora pela continuação rápida dos passes transversais.”


19 de janeiro de 1905 – “Três existências sucessivas. Primeiramente, Madeleine de Saint-Marc. Mayo reproduz os últimos momentos da sua vida.


Ao cabo de alguns momentos, tosse, um verdadeiro acesso... depois morre... e compreende-se pelos seus movimentos e atitude que está sofrendo; depois volta a ser Charles Mauville; passado um instante, tosse outra vez. (O Sr. de Rochas lembra-se de que Charles Mauville morreu com doença do peito, próximo aos 50 anos, como morrera Madeleine.) Charles Mauville morre...


Passados alguns instantes, ela, sob a influência dos passes transversais, é outra vez Line na época da sua gravidez; depois chora, torce-se, agarra-se à sobrecasaca do Sr. De Rochas; os seios apresentam na realidade volume maior que de ordinário (todos o verificamos). Line tem verdadeiras dores; de repente sossega. – Está pronto; a criancinha nasceu. – Line teve o seu bom sucesso... Depois chora; o marido está a morrer...; chora mais... e, de repente, com muita rapidez, debate-se, suspira, afoga-se... e entra no escuro.


Passa, finalmente, para o corpo de Mayo e chega progressivamente até aos 18 anos. O Sr. de Rochas desperta-a completamente.”


*


Paremos um instante para considerar o conjunto desses fatos, procurar as garantias de autenticidade que apresentam e deduzir os ensinamentos que deles derivam.


Há, logo de princípio, uma coisa que nos causa forte impressão. É, em cada vida renovada, a repetição constante, no decurso de sessões múltiplas, dos mesmos acontecimentos, na mesma ordem, quer ascendentes, quer descendentes, de modo espontâneo, sem hesitação, erro ou confusão.(147) Vem, depois, a comprovação unânime dos experimentadores na Espanha, em Genebra, Grenoble, Aix, etc., verificação que, pessoalmente, pude fazer sempre que observei fenômenos desse gênero. Em cada nova existência que se desenrola, a atitude, o gesto, a linguagem do sujet mudam; a expressão do olhar difere, tornando-se mais dura, mais selvagem, à medida que se recua na ordem dos tempos.


Assiste-se à exumação de um complexo de vistas, de preconceitos, de crenças, em relação com a época e o meio em que essa existência se passou. Quando o sujet, sempre uma mulher nos casos retro indicados,(148) passa por uma encarnação masculina, a fisionomia é inteiramente outra, a voz é mais forte, o tom mais elevado, os modos afetam uma tal ou qual rudeza. Não são menos distintas as diferenças, quando é um período infantil que se atravessa.


Os estados físicos e mentais encadeiam-se, ligam-se sempre numa conexidade íntima, completando-se uns pelos outros e sendo sempre inseparáveis. Cada recordação evocada, cada cena revivida mobiliza um cortejo de sensações e impressões, risonhas ou penosas, cômicas ou pungentes, segundo os casos, mas perfeitamente adequadas à situação.


A lei de correlação verificada por Pierre Janet, Th. Ribot, etc. encontra-se novamente aqui em todo o seu rigor, com precisão mecânica, tanto no que diz respeito às cenas da vida presente, quanto às que se relacionam com as anteriores. Essa correlação constante bastaria, por si só, para assegurar às duas ordens de recordações o mesmo caráter de probabilidade. Verificada, como foi, a exatidão das recordações, da existência atual nas suas fases primárias, apagadas na memória normal do sujet, o que, para umas, é uma prova de autenticidade, constitui igualmente forte presunção em prol das outras.


Por outro lado, os sujets reproduziram com uma fidelidade absoluta, com uma vivacidade de impressões e de sensações por forma alguma fictícias, cenas tão comoventes como complicadas; asfixia por submersão, agonias causadas pela tuberculose no último grau, caso de gravidez seguido de parto com toda a série dos fenômenos físicos correlatos – sufocações, dores, tumefação dos seios, etc.


Ora, esses sujets, quase todos moças de 16 a 18 anos, são, por natureza, muito tímidos e pouco versados em matéria científica. Por declaração dos próprios experimentadores, dos quais um é médico da família de Mayo, é notória a incapacidade deles para simularem cenas como essas; não possuem nenhum conhecimento de Fisiologia, ou de Patologia e, na sua existência atual, não foram testemunhas de nenhum incidente que pudesse ministrar-lhes indicações sobre fatos dessa ordem. (149)


Todas essas considerações nos levam a afastar desconfianças de qualquer fraude, artifício ou hipótese de mera fantasia.


Que talento, que arte, que perfeição de atitude, de gesto, de acentuação não seria necessário despender de maneira contínua, durante tantas sessões, para imaginar e simular cenas tão realistas, às vezes dramáticas, na presença de experimentadores hábeis em desmascarar a impostura, de práticos sempre precavidos contra o erro ou o embuste? Tal papel não pode ser atribuído a jovens sem nenhuma experiência de vida, com instrução elementar mui limitada.


Outra coisa: no encadeamento dessas descrições, no destino dos seres que estão na tela da discussão, nas peripécias das suas existências, encontramos sempre confirmação da alta lei de causalidade ou de conseqüência dos atos, que rege o mundo moral. Decerto, não é possível ver nisso um reflexo das opiniões dos sujets, visto que, a tal respeito, nenhuma noção eles possuem, por não terem sido preparados de modo algum pelo meio em que viveram, nem pela educação que receberam, para o conhecimento das vidas sucessivas, como o atestam os observadores. (150)


Evidentemente, muitos cépticos pensarão que esses fatos são ainda em mui pequeno número para que deles possa inferir uma teoria segura e conclusões decisivas. Dir-se-á que convém esperar para isso acumulação mais considerável de provas e de testemunhos; apresentar-nos-ão como objeção muitas experiências com aspecto suspeito, abundando em anacronismos, contradições, fatos apócrifos. Essas narrativas fantasistas produzem a viva impressão de que observadores benévolos tenham sido vítimas de ludíbrio, de mistificação. Qual é, porém, o dano que daí pode advir para as experiências sérias? Os abusos, os erros que aqui e ali se praticam não podem atingir os estudos feitos com precisão metódica e rigoroso espírito de exame.


Em resumo, temos para nós que os fatos relatados acima, juntos a muitos outros da mesma natureza, que seria supérfluo enumerar aqui, bastam para estabelecera existência, na base do edifício do “eu”, de uma espécie de cripta onde se amontoa uma imensa reserva de conhecimentos e de recordações. O longo passado do ser deixou aí seu rastro indelével que poderá, ele só, dizer-nos o segredo das origens e da evolução, o mistério profundo da natureza humana.


“Há – diz Herbert Spencer – dois processos de construção da consciência: a assimilação e a lembrança”; mas não se pode deixar de reconhecer que a consciência normal de que ele fala não é mais do que uma consciência precária e restrita, que vacila à borda dos abismos da alma, iluminando, como chama intermitente, um mundo oculto onde dormitam forças e imagens, em que se acumulam as impressões recolhidas desde o ponto inicial do ser. E tudo isso, oculto durante a vida pelo véu da carne, se manifesta no transe, sai da sombra com tanto mais nitidez quanto mais livre da matéria está a alma e maior é o grau de sua evolução.


*


Quanto às reservas feitas pelo Coronel de Rochas a propósito das inexatidões notadas por ele nas narrações dos hipnotizados no curso de suas investigações, devemos acrescentar: nada há que admirar quanto à possibilidade de ter havido erros, atendendo ao estado mental dos sujets e à quantidade – na hora atual – de elementos conhecidos e desconhecidos que entram em jogo nesses fenômenos tão novos para a ciência. Poderiam eles ser atribuídos a três causas diferentes – reminiscências diretas dos pacientes, visões, ou também sugestões provenientes do exterior. Quanto ao primeiro caso, notemos que, em todas as experiências que tenham por objetivo pôr em vibração as forças anímicas, o ser assemelha-se a um foco que se acende e aviva e que, na sua atividade, projeta vapores e fumo que, de quando em quando, encobrem a chama interior. Às vezes, em pacientes pouco desenvolvidos, pouco excitados, as recordações normais e as impressões recentes misturar-se-ão, por isso, com reminiscências afastadas. A habilidade dos experimentadores consistirá em saber separar esses elementos perturbadores, em dissipar as brumas e as sombras para restituírem ao foco central sua importância e seu brilho.


Poder-se-ia também ver nisso o resultado de sugestões exercidas pelos magnetizadores ou por personalidades estranhas. Eis o que, a esse respeito, diz o Coronel de Rochas: (151)


“Essas sugestões não vêm certamente de mim, que não somente evitei tudo o que podia pôr o sujet em caminho determinado, mas que procurei muitas vezes, debalde, transviá-lo com sugestões diferentes; o mesmo sucedeu com outros experimentadores que se entregaram a esse estudo.


Provirão elas de idéias que, segundo a expressão popular, “andam no ar” e que atuam com mais força no espírito do paciente solto dos laços do corpo? Poderia bem ser isso, até certo ponto, porquanto se tem observado que todas as revelações dos extáticos se ressentem mais ou menos do meio em que viveram.


Serão devidas a entidades invisíveis que, querendo espalhar entre os homens a crença nas encarnações sucessivas, procedem como a Morale en action, com o auxílio de historiazinhas assinadas por pseudônimos para evitar as reivindicações entre vivos?


Consultados os invisíveis a tal respeito, por via medianímica, responderam: (152) “Quando o sujet não está suficientemente livre para ler em si mesmo a história do seu passado, podemos então proceder por quadros sucessivos que lhe reproduzem à vista as suas próprias existências. São, nesse caso, realmente visões e é por isso que nem sempre podem ser exatas. Em certos casos, pois, os pacientes não revivem as suas vidas. Comunicamos-lhes do Alto as informações que eles dão aos experimentadores e lhes sugerimos que sofram os efeitos das circunstâncias que descrevem.


Podemos iniciar-vos no vosso passado sem, contudo, precisarmos as datas e os lugares. Não esqueçais que, livres das convenções terrestres, deixa para nós de haver tempo e espaço. Vivendo fora desses limites, cometemos facilmente erros em tudo o que lhes diz respeito. Consideramos tudo isso como coisas mínimas e preferimos falar-vos dos vossos atos bons ou maus e de suas conseqüências. Se algumas datas, se alguns nomes não se encontrarem nos vossos arquivos, a conclusão para vós é que é tudo falso. Erro profundo do vosso julgamento. Grandes são as dificuldades para dar-vos conhecimentos tão exatos como o exigis; mas, crede-nos, não vos fatigueis nas vossas investigações. Não há estudo mais nobre do que esse. Não sentis que é belo difundir a luz? No entanto, infelizmente, no vosso planeta ainda há de passar muito tempo antes que as massas compreendam para que aurora se devem dirigir!”


Seria fácil acrescentarmos um grande número de fatos que têm ligação com a mesma ordem de averiguações.


O Príncipe Adam-Wisznievski, rua do Débarcadère 7, em Paris, comunica-nos a experiência narrada a seguir, feita pelas próprias testemunhas, algumas das quais vivem ainda e que só consentiram em ser designadas por iniciais:


“O Príncipe Galitzin, o Marquês de B..., o Conde de R... estavam reunidos, no verão de 1862, nas praias de Hamburgo.


Uma noite, depois de terem jantado muito tarde, passeavam no parque do Cassino e ali avistaram uma pobre deitada num banco. Depois de se chegarem a ela e a interrogarem, convidaram-na a vir cear no hotel. O Príncipe Galitzin, que era magnetizador, depois que ela ceou, o que fez com grande apetite, teve a idéia de magnetizá-la. Conseguiu-o à custa de grande número de passes. Qual não foi a admiração das pessoas presentes quando, profundamente adormecida, aquela que, em vigília, exprimia-se num arrevesado dialeto alemão, pôs-se a falar corretamente em francês, contando que reencarnara na pobreza por castigo, em conseqüência de haver cometido um crime na sua vida precedente, no século XVIII. Habitava, então, um castelo na Bretanha, à beira-mar. Por causa de um amante, quis livrar-se do marido e despenhou-o no mar, do alto de um rochedo; indicou o lugar do crime com grande exatidão.


Graças às suas indicações, o Príncipe Galitzin e o Marquês de B... puderam, mais tarde, dirigir-se à Bretanha, às costas do Norte, separadamente, e entregar-se a dois inquéritos, cujos resultados foram idênticos.


Havendo interrogado grande número de pessoas, não puderam, a princípio, colher informação alguma. Afinal encontraram uns camponeses já velhos que se lembravam de ter ouvido os pais contarem a história de uma jovem e bela castelã que assassinara o marido, mandando atirá-lo ao mar. Tudo o que a pobre de Hamburgo havia dito, no estado de sonambulismo, foi reconhecido exato.


O Príncipe Galitzin, regressando da França e passando por Hamburgo, interrogou o comissário de polícia a respeito dessa mulher. Esse funcionário declarou-lhe que ela era inteiramente falha de instrução, falava um dialeto vulgar alemão e vivia apenas de mesquinhos recursos, como mulher de soldados.”


A doutrina das vidas sucessivas, ensinada pelas grandes escolas filosóficas do passado e, em nossos dias, pelo espiritualismo kardequiano, recebe, é manifesto, por via dos trabalhos dos sábios e dos investigadores, umas vezes direta, outras indiretamente, novos e numerosos subsídios. Graças à experimentação, as profundezas mais recônditas da alma humana entreabrem-se e a nossa própria história parece reconstituir-se, da mesma forma que a Geologia pôde reconstituir a história do Globo, escavando-lhe os possantes suportes.


A questão está pendente ainda, é verdade; é preciso observar extrema reserva quanto às conclusões. Não obstante, apesar das obscuridades que subsistem, havemos considerado como um dever publicar esses fatos e experiências a fim de chamar para eles a atenção dos pensadores e provocar novas investigações. Só por esse modo é que a luz a pouco e pouco se fará completa acerca desse problema, como se fez acerca de tantos outros.


*


O esquecimento das existências anteriores é, em princípio, dissemos, uma das conseqüências da reencarnação; entretanto, não é absoluto esse esquecimento. Em muitas pessoas o passado renova-se em forma de impressões, senão de lembranças definidas. Essas impressões às vezes influenciam os nossos atos; são as que não vêm da educação, nem do meio, nem da hereditariedade. Nesse número podem classificar-se as simpatias e as antipatias repentinas, as intuições rápidas, as idéias inatas. Basta descermos a nós mesmos, estudarmo-nos com atenção, para tornarmos a encontrar em nossos gostos, em nossas tendências, em traços do nosso caráter, numerosos vestígios desse passado. Infelizmente, mui poucos de nós se entregam a esse exame com método e atenção.


Pode-se citar, ainda, em todas as épocas da História, um certo número de homens que, graças a disposições excepcionais do seu organismo psíquico, conservam recordações das suas vidas passadas. Para eles não era uma teoria a pluralidade das existências; era um fato de percepção direta. O testemunho desses homens assume importância considerável por terem ocupado na sociedade do seu tempo altas posições; quase todos, espíritos elevados, exerceram, na sua época, grande influência. A faculdade, muito rara, de que gozavam, era, sem dúvida, o fruto de uma evolução imensa. Estando o valor de um testemunho na razão direta da inteligência e inteireza da testemunha, não se podem passar em claro as afirmações desses homens, alguns dos quais trouxeram na cabeça a coroa do gênio.


É um fato bem conhecido que Pitágoras se recordava pelo menos de três das suas existências e dos nomes que em cada uma delas usava.(153) Declarava ter sido Hermótimo, Eufórbio e um dos Argonautas. Juliano, cognominado o Apóstata, tão caluniado pelos cristãos, mas que foi, na realidade, uma das grandes figuras da História Romana, recordava-se de ter sido Alexandre da Macedônia. Empédocles afirmava que, pelo que lhe dizia respeito, “recordava-se de ter sido rapaz e rapariga”(154).


Na opinião de Herder (Dialogues sur la Métempsycose), devem ajuntar-se a esses nomes os de Yarcas e de Apolônio de Tiana.


Na Idade Média tornamos a encontrar a mesma faculdade em Gerolamo Cardano.


Entre os modernos, Lamartine declara, no seu livro Voyage en Orient, ter tido reminiscências muito claras de um passado longínquo. Transcrevamos o seu testemunho


“Na Judéia eu não tinha Bíblia nem livro de viagem; ninguém que me desse o nome dos lugares e o nome antigo dos vales e dos montes. Não obstante, reconheci, sem demora,o vale de Terebinto e o campo de batalha de Saul. Quando estivemos no convento, os padres confirmaram-me a exatidão das minhas descobertas. Os meus companheiros recusavam acreditá-lo. Do mesmo modo, em Séfora, apontara com o dedo e designara pelo nome uma colina que tinha no alto um castelo arruinado, como o lugar provável do nascimento da Virgem. No dia seguinte, no sopé de um monte árido, reconheci o túmulo dos Macabeus e falava verdade sem o saber. Excetuando os vales do Líbano, quase não encontrei na Judéia um lugar ou uma coisa que não fosse para mim como uma recordação. Temos então vivido duas ou mil vezes? É pois, a nossa memória uma simples imagem embaciada que o sopro de Deus aviva?”


Era em Lamartine tão viva a concepção das múltiplas vidas do ser, que tinha o desígnio de fazer disso uma idéia dominante, a inspiradora por excelência de suas obras. La Chute d'un Ange era, no seu pensamento, o primeiro elo, e Jocelyn o último de uma série de obras que deviam encadear-se umas às outras e traçar a história de duas almas prosseguindo através dos tempos a sua evolução dolorosa. As agitações da vida política não lhe deixavam vagar para prender umas às outras as contas esparsas desse rosário de obras-primas. (155)


Joseph Méry era pródigo nas mesmas idéias. Ainda em sua vida, dizia a seu respeito o Journal Littéraire, de 25 de novembro de 1864:


“Há teorias singulares que, para ele, são convicções. Assim, crê firmemente que viveu muitas vezes; lembra-se das menores circunstâncias das suas existências anteriores e descreve-as com tanta minúcia e com um tom de certeza tão entusiástico que se impõe como autoridade. Assim, foi um dos amigos de Vergílio e Horácio; conheceu Augusto e Germânico; fez a guerra nas Gálias e na Germânia. Era general e comandava as tropas romanas quando atravessaram o Reno. Reconhece-se nos montes e sítios onde acampou, nos vales e campos de batalha onde outrora combateu. Chamava-se Mínias.


Cabe aqui um episódio que parece estabelecer um bom fundamento de que tais recordações não são simples miragens da sua imaginação. Um dia, em sua vida atual, estava em Roma e de visita à biblioteca do Vaticano. Foi recebido por jovens noviços, trajando longos hábitos escuros, que se puseram a falar-lhe o latim mais puro. Méry era bom latinista em tudo quanto dizia respeito à teoria e às coisas escritas, mas nunca experimentara conversar familiarmente na língua de Juvenal. Ouvindo esses romanos de hoje, admirando esse magnífico idioma, tão bem harmonizado com os costumes da época em que era utilizado com os monumentos, pareceu-lhe que dos olhos lhe caía um véu; pareceu-lhe que ele mesmo já em outros tempos havia conversado com amigos que se serviam dessa linguagem divina. Frases inteiras e irrepreensíveis saíam-lhe dos lábios; achou imediatamente a elegância e a correção; falou, finalmente, latim como fala francês. Não era possível fazer-se tudo isso sem uma aprendizagem e, se ele não tivesse sido vassalo de Augusto, se não houvesse atravessado esse século de todos os esplendores, não teria improvisado um conhecimento impossível de adquirir-se em algumas horas.”


O Journal Littéraire, sempre a respeito de Méry, continua:


“A sua outra passagem pela Terra deu-se nas Índias; por isso conhece-as tão bem que, quando publicou La Guerre do Nizam, nenhum dos seus leitores duvidou que ele houvesse por muito tempo habitado a Ásia. Suas descrições são tão vivas, seus quadros tão originais, faz de tal modo tocar com o dedo as menores minudencias, que é impossível não tenha visto o que conta; a verdade marcou tudo isso com a sua chancela.


Pretende ter entrado nesse país com a expedição muçulmana, em 1035. Lá viveu 50 anos, passou belos dias e fixou residência definitiva; lá continuou a ser poeta, mas menos dedicado às letras que em Roma e Paris. Guerreiro nos primeiros tempos, cismador mais tarde, conservou impressas na sua alma as imagens surpreendentes das margens do rio sagrado e dos sítios hindus. Tinha muitas moradas na cidade e no campo, orou no templo dos elefantes, conheceu a civilização adiantada de Java, viu as esplêndidas ruínas que ele assinala e que são ainda tão pouco conhecidas.


É preciso ouvi-lo cantar os seus poemas, porque são verdadeiros poemas essas lembranças a Swedenborg. Não suspeiteis da sua seriedade, que é muito grande. Não há mistificação feita à custa dos seus ouvintes; há uma realidade da qual ele consegue convencer-vos.”


Paul Stapfer, em seu livro recentemente publicado, Victor Hugo à Guernesey, conta as suas palestras com o grande poeta. Este lhe expunha a sua crença nas vidas sucessivas; julgava ter sido Ésquilo, Juvenal, etc. Forçoso é reconhecer que tais colóquios não primam por excesso de modéstia e carecem um tanto de provas demonstrativas.


O filósofo sutil e profundo que foi Amiel escrevia:


“Quando penso nas intuições de toda espécie que tive desde a minha adolescência, parece-me que vivi muitas dúzias e até centenas de vidas. Toda a individualidade caracteriza esse mundo idealmente em mim ou, antes, forma-me momentaneamente à sua imagem. Assim é que fui matemático, músico, frade, filho, mãe, etc. Nesses estados de simpatia universal, fui mesmo animal e planta.”


Théophile Gautier, Alexandre Dumas, Ponson do Terrail e muitos outros escritores modernos comungavam nessas convicções. Sucedia o mesmo com Walter Scott, segundo o testemunho de Lockart, seu biógrafo. (156)


O Conde de Résie, na sua Histoire des Sciences Occultes, (157)diz:


“Podemos citar o nosso próprio testemunho, assim como as numerosas surpresas que freqüentes vezes nos causou o aspecto de muitos lugares em diferentes partes do mundo, cuja vista nos trazia logo à memória uma antiga recordação, uma coisa que não nos era desconhecida e que, entretanto, estávamos vendo pela primeira vez.”


Gustave Flaubert, em sua Correspondance, escreve:


“Tenho certeza de ter sido no Império Romano diretor de alguma trupe de comediantes ambulantes (...) e, ao reler as comédias de Plauto, surgem para mim como que recordações.”


*


Às reminiscências de homens ilustres, em sua maioria, devem-se juntar as de grande número de crianças. Aqui o fenômeno se explica facilmente. A adaptação dos sentidos psíquicos ao organismo material, a começar do nascimento, opera-se morosa e gradualmente; só é completa por volta dos sete anos, e mais tarde ainda em certos indivíduos.


Até essa época, o Espírito da criança, flutuando em torno do seu invólucro, vive até certo ponto da vida do espaço; goza de percepções, de visões que, às vezes, impressionam com fugitivos vislumbres o cérebro físico. Assim é que foi possível recolher de certas bocas juvenis alusões a vidas anteriores, descrições de cenas e personagens sem relação alguma com a vida atual desses jovens.


Essas visões, essas reminiscências esvaem-se, geralmente, próximo da idade adulta, quando a alma da criança entrou na plena posse dos seus órgãos terrestres. Então, debalde é interrogada a respeito dessas lembranças fugazes; cessou de todo a transmissão das vibrações perispirituais, a consciência profunda emudeceu.


Até agora não tem sido prestada a essas revelações toda a atenção que elas merecem. Os pais, a quem manifestações consideradas estranhas e anormais lançam em desassossego, em vez de provocá-las, procuram, pelo contrário, impedi-las. A Ciência perde, assim, indicações úteis. Se a criança, quando tenta traduzir, na sua linguagem afanosa e confusa, as vibrações fugitivas do seu cérebro psíquico, fosse animada, interrogada, em vez de ser repelida, ridicularizada, seria possível obter a respeito do passado elucidações de certo interesse, ao passo que atualmente se perdem na maioria dos casos.


No Oriente, onde a doutrina das vidas sucessivas está espalhada por toda parte, dá-se mais importância a essas reminiscências; recolhem-nas, constatam-nas na medida do possível e, muitas vezes, é reconhecida a sua exatidão. Dentre mil, vamos apresentar uma prova:


Uma correspondência de Simla (Índias Orientais) ao Daily Mail (158) refere que um menino, nascido no distrito, é considerado como a reencarnação do falecido Sr. Tucker, superintendente da comarca, assassinado, em 1894, por “discoitos”. O menino recorda-se dos menores incidentes da sua vida precedente; quis transportar-se a vários lugares familiares ao Sr. Tucker. No local do homicídio pôs-se a tremer e deu todas as demonstrações de terror. “Esses fatos são muito comuns em Burma – acrescenta o jornal –, onde os reencarnados que se lembram do seu passado têm o nome de winsas.”


C. de Lagrange, cônsul de França, escrevia de Vera Cruz (México) à Revue Spirite, em 14 de julho de 1880: (159)

“Há dois anos tínhamos, em Vera Cruz, um menino de sete anos que possuía a faculdade de médium curador. Muitas pessoas foram curadas, quer por imposição das suas mãozinhas, quer por meio de remédios vegetais que ele receitava e afirmava conhecer. Quando lhe perguntavam onde aprendera essas coisas, respondia que, no tempo em que era grande, tinha sido médico. Esse menino recorda-se, portanto, de uma existência anterior.


Falava com dificuldade. Chamava-se Jules Alphonse e nascera em Vera Cruz. Essa faculdade surpreendente desenvolveu-se nele aos 4 anos de idade e causou impressão em muitas pessoas que, incrédulas a princípio, estão hoje convencidas. Quando estava só com o pai, repetia-lhe muitas vezes: “Pai, não creias que eu fique muito tempo contigo; estou aqui só por alguns anos, porque é preciso que vá para outra parte.” E, se lhe perguntavam: “Mas, para onde queres tu ir?”, respondia: “Para longe daqui, para onde se está melhor do que aqui.”


Esse menino era muito sóbrio, grande em todas as ações, perspicaz e muito obediente. Pouco tempo depois, morreu.”


O Banner of Light, de Boston, 15 de outubro de 1892, publica a narrativa, abaixo transcrita, do honrado Isaac G. Forster, inserta igualmente no Globe Democrat, de S. Luís, 20 de setembro de 1892, no Brooklyn Eagle e no Milwaukee Sentinel, de 25 de setembro de 1892:


“Há doze anos habitava eu o Condado de Effingham (Illinois) e lá perdi uma filha, Maria, quando para ela principiava a puberdade. No ano seguinte fui fixar residência no Dakota. Aí, nasceu-me, há nove anos, outra filhinha, a quem demos o nome de Nellie. Assim que chegou à idade de falar, pretendia não se chamar Nellie, mas sim Maria, que seu nome verdadeiro era o que em tempo lhe dávamos.


Ultimamente voltei para o Condado de Effingham, para pôr em dia alguns negócios. e levei Nellie comigo. Ela reconheceu a nossa antiga habitação e muitas pessoas que nunca vira, mas que minha primeira filha, Maria, conhecera muito bem.


A uma milha de distância está situada a casa da escola em que Maria andava; Nellie, que nunca a vira, dela fez uma descrição exata e exprimiu-me o desejo de tornar a vê-la. Levei-a e, quando lá chegou, dirigiu-se diretamente para a carteira que sua irmã ocupava, dizendo-me: “Esta carteira é a minha!”


O Journal des Débats, de 11 de abril de 1912, em seu folhetim científico cita, sob a assinatura de Henri de Varigny, um caso semelhante colhido na obra do Sr. Fielding Hall, o qual se entregou a longas pesquisas sobre esse assunto:


“Há cerca de meio século, duas crianças, um rapaz e uma menina, nasceram no mesmo dia e na mesma aldeia, na Birmânia. Casaram-se mais tarde e, depois de haver constituído família e praticado todas as virtudes, morreram no mesmo dia.


Maus tempos sobrevieram, e dois jovens, de sexos diferentes, tiveram de fugir da aldeia onde se tinha desenrolado o primeiro episódio. Foram estabelecer-se em outra parte e tiveram dois filhos gêmeos, que, em vez de se chamarem por seus próprios nomes, se davam entre si os nomes do par virtuoso e já morto do qual falamos.


Os pais espantaram-se com isso, mas logo compreenderam o fato. Para eles, o par virtuoso se tinha encarnado em seus filhos. Quiseram tirar a prova. Levaram-nos à aldeia onde anteriormente haviam nascido. Reconheceram tudo: estradas, casas, pessoas e até as vestimentas do casal, conservadas, não se sabe por que razão. Um se lembrou de terem emprestado duas rupias (moeda indiana) a certa pessoa. Esta vivia ainda e confirmou o fato.


O Sr. Fielding Hall, que viu as duas crianças quando elas ainda tinham 6 anos, achava uma com aparência mais feminina; esta albergava a alma da mulher defunta. Antes da reencarnação, diziam eles, viveram algum tempo sem corpo, nos ramos das árvores. Mas essas lembranças longínquas tornam-se cada vez menos nítidas e vão-se apagando pouco a pouco.”


Essa percepção das vidas anteriores encontra-se, também, excepcionalmente, em alguns adultos.


O Dr. Gaston Durville, no Psychic Magazine, número de janeiro e abril de 1914, conta um caso interessante de renovação das lembranças em estado de vigília.


A Sra. Laura Raynaud, conhecida em Paris por suas curas por meio do magnetismo, afirmava, desde muito, que se recordava de uma vida passada em um lugar que descrevia e que declarava iria encontrar um dia. Afirmava, ainda, ter vivido em condições nitidamente determinadas (sexo, condição social, nacionalidade, etc.), e haver desencarnado, havia certo número de anos, em conseqüência de tal moléstia.


A Sra. Raynaud, em viagem à Itália, em março de 1913, reconheceu o país em que tinha vivido. Percorreu os arredores de Gênova e encontrou uma habitação como tinha descrito. “Graças ao concurso do Sr. Calure, psiquista erudito de Gênova, encontramos – diz o doutor – nos registros da paróquia de São Francisco de Albaro, um registro de óbito que foi o da Sra. Raynaud n° 1.”


Todas as declarações por ela feitas, muitos anos antes (sexo, condição social, nacionalidade, idade e causa da morte), foram confirmadas.


Um sujet do doutor, em estado de sonambulismo lúcido, revelou curiosos pormenores sobre a sepultura da citada senhora.


*


Os testemunhos oriundos do mundo invisível são tão numerosos quanto variados. Não só Espíritos em grande número afirmam, nas suas mensagens, terem vivido muitas vezes na Terra, mas há os que anunciam antecipadamente a sua reencarnação; designam seu futuro sexo e a época de seu nascimento; ministram indicações sobre as suas aparências físicas ou disposições morais, que permitem reconhecê-los em seu regresso a este mundo; predizem ou expõem particularidades de sua próxima existência, o que se tem podido verificar.


A revista Filosofia della Scienza, de Palermo, no número de janeiro de 1911, publicou, sobre um caso de reencarnação, uma narrativa do mais alto interesse, que resumimos aqui. É o chefe da família, na qual os acontecimentos se passaram, o Dr. Carmelo Samona, de Palermo, quem fala:


“Perdemos, a 15 de março de 1910, uma filhinha que minha mulher e eu adorávamos; em minha companheira o desespero foi tal que receei, um momento, perdesse a razão. Três dias depois da morte de Alexandrina, minha mulher teve um sonho onde acreditou ver a criança a dizer-lhe:


– Mãe, não chores mais, não te abandonarei; não estou afastada de ti: ao contrário, tornarei a ti como filha.

Três dias mais tarde houve a repetição do mesmo sonho. A pobre mãe, a quem nada podia atenuar a dor e que não tinha, nessa época, noção alguma das teorias do Espiritismo moderno, só encontrava nesse sonho motivos para o reavivamento de suas penas. Certa manhã, em que se lamentava, como de costume, três pancadas secas fizeram-se ouvir à porta do quarto em que nos achávamos. Crente da chegada de minha irmã, meus filhos, que estavam conosco, foram abrir a porta, dizendo:


– Tia Catarina, entre.


A surpresa, porém, de todos, foi grande, verificando que não havia ninguém atrás dessa porta nem na sala que a precedia. Foi então que resolvemos realizar sessões de tiptologia, na esperança de que, por esse meio, talvez tivéssemos esclarecimentos sobre o fato misterioso dos sonhos e das pancadas que tanto nos preocupavam.


Continuamos nossas experiências durante três meses, com grande regularidade. Desde a primeira sessão, duas entidades manifestaram-se: uma dizia ser minha irmã; a outra, a nossa querida filha. Esta última confirmou, pela mesa, sua aparição nos dois sonhos de minha mulher e revelou que as pancadas tinham sido dadas por ela. Repetiu à sua mãe:


– Não te consternes, porque nascerei de novo por ti e antes do Natal.


A predição foi acolhida por nós com total incredulidade, pois um acidente, seguido de uma operação cirúrgica (21 de novembro de 1909), tornava impossível nova concepção em minha mulher.


Entretanto, a 10 de abril, uma primeira suspeita de gravidez revelou-se nela. A 4 de maio seguinte nossa filha manifestou-se ainda pela mesa e nos deu novo aviso:


– Mãe, há uma outra em ti.


Como não compreendêssemos essa frase, a outra entidade que, parece, acompanhava sempre nossa filha, confirmou-a, comentando-a assim:


– A pequena não se engana: outro ser se desenvolve em ti, minha boa Adélia.


As comunicações que se seguiram ratificaram todas essas declarações e mesmo as precisaram, anunciando que as crianças que deviam nascer seriam meninas; que uma se assemelharia a Alexandrina, sendo mais bela do que o tinha sido anteriormente.


Apesar da incredulidade persistente de minha mulher, as coisas pareciam tomar o rumo anunciado, porque, no mês de agosto, o Dr. Cordaro, parteiro reputado, prognosticou a gravidez de gêmeos.


E a 22 de novembro de 1910 minha mulher deu à luz duas filhinhas, sem semelhança entre si; uma, entretanto, reproduzia em todos os seus traços as particularidades físicas bem especiais que caracterizavam a fisionomia de Alexandrina, isto é, uma hiperemia do olho esquerdo, uma ligeira seborréia do ouvido direito e, enfim, uma dissemetria pouco acentuada da face.


Em apoio de suas declarações, o Dr. Carmelo Samona traz os atestados de sua irmã Samona Gardini, do Professor Wigley, da Sra. Mercantini, do Marquês Natoli, da Princesa Niscomi, do Conde de Ranchileile, todos os que tomavam conhecimento das comunicações obtidas na família do Dr. Carmelo Samona, à medida que elas se produziam.


Depois do nascimento dessas crianças, dois anos e meio são decorridos, o Dr. Samona escreve à Filosofia della Scienza, dizendo que a semelhança de Alexandrina II com Alexandrina I tudo confirma, não só na parte física como na moral: as mesmas atitudes e brincadeiras calmas; as mesmas maneiras de acariciar a mãe; os mesmos terrores infantis expressos nos mesmos termos, a mesma tendência irresistível para servir-se da mão esquerda, o mesmo modo de pronunciar os nomes das pessoas que a rodeavam. Como Alexandrina I, ela abre o armário dos sapatos, no quarto em que esse móvel se encontra, calça um pé e passeia triunfalmente no quarto. Em uma palavra, refaz, de modo absolutamente idêntico, a existência, na idade correspondente, de Alexandrina I.


Não se nota nada de semelhante com Maria Pace, sua irmã gêmea.


Compreende-se todo o interesse que apresenta uma observação dessa ordem, seguida durante tantos anos por um investigador do valor do Dr. Samona.” (160)


O Capitão Florindo Batista, cuja honestidade está ao abrigo de qualquer suspeita, conta na revista Ultra, de Roma:


“No mês de agosto de 1905, minha mulher, que estava grávida de três meses, teve, quando já se havia deitado, mas ainda perfeitamente acordada, uma aparição que a impressionou profundamente. Uma filhinha, morta havia 3 anos, apresentara-se-lhe repentinamente, manifestando alegria infantil e lhe disse, com voz muito doce, as seguintes palavras:


– Mamãe, eu volto!


Antes que minha mulher tornasse a si da surpresa, a visão desapareceu.


Quando entrei, minha mulher, ainda muito comovida, contou-me sua estranha aventura e eu tive a impressão que era de uma alucinação que se tratava; mas não quis combater a convicção em que ela estava, de haver recebido um aviso providencial, e acedi a seu desejo de dar à filhinha que esperávamos o nome de Branca, que era o da sua jovem irmã falecida.


Por essa época eu não tinha noção nenhuma daquilo que aprendi mais tarde e teria chamado louco a quem me viesse falar em reencarnação, porque estava intimamente convencido de que os mortos não renasciam mais.


Seis meses depois, em fevereiro de 1906, minha mulher deu à luz, com felicidade, uma filhinha que se assemelhava inteiramente à sua irmã falecida. Tinha seus olhos muito grandes e seus cabelos espessos e frisados.


Essas coincidências não me desviaram do meu cepticismo materialista, mas minha esposa, muito contente com o favor obtido, convenceu-se, de modo absoluto, de que o milagre se tinha dado e que havia posto duas vezes no mundo a mesma criatura.


Hoje a menina tem cerca de 6 anos e, como sua falecida irmã, é muito desenvolvida física e intelectualmente.


A fim de que se compreenda o que vou relatar, devo acrescentar que, durante a vida da primeira Branca, tínhamos como criada uma certa Mary, suíça, que só falava o francês.


Tinha ela importado de suas montanhas uma espécie de canção. Quando minha filhinha morreu, Mary voltou para seu pais e a berceuse se havia completamente apagado de nossas lembranças. Um fato verdadeiramente extraordinário veio trazê-la ao nosso espírito.


Há uma semana, estava eu com minha mulher no meu quarto de trabalho, quando ouvimos ambos, como um eco longínquo, a famosa cantilena; a voz vinha do quarto de dormir onde havíamos deixado nossa filhinha adormecida.


A princípio, emocionados e estupefatos, não lhe tínhamos reconhecido a voz; mas, aproximando-nos do quarto donde ela partia, achamos a criança sentada na cama e cantando, com acento nitidamente francês, a cantilena que nenhum de nós lhe houvéramos ensinado.


Minha mulher, evitando parecer muito espantada, perguntou-lhe o que cantava e a criança, com uma prontidão de pasmar, respondeu que cantava uma canção francesa, posto que não conhecesse desse idioma senão algumas palavras que tinha ouvido pronunciar por suas irmãs.


– Quem te ensinou essa bela canção? – perguntei-lhe.


– Ninguém; eu a sei de mim mesma – respondeu-me ela, e acabou de cantá-la alegremente, como se nunca tivesse cantado outra em sua vida.”


O Sr. Th. Jaffeux, advogado na Corte de Apelação de Paris, comunica-nos o seguinte fato (5 de março de 1911):

“Desde o começo de 1908, tinha como Espírito-guia uma mulher que havia conhecido em minha infância e cujas comunicações apresentavam um caráter de rara precisão: nomes, endereços, cuidados médicos, predições de ordem familiar, etc.


No mês de junho de 1909, transmitia essa entidade, da parte de Père Henri, diretor espiritual do grupo, o conselho de não prolongar indefinidamente a morada estacionária no espaço. A entidade respondeu-me por essa ocasião:


– Tenho a intenção de reencarnar; terei, sucessivamente, três reencarnações muito breves.


Para o mês de outubro de 1909, anunciou-me espontaneamente que ia reencarnar em minha família e designou-me o lugar dessa reencarnação; uma aldeia do Departamento do Eure-et-Loir.


Eu tinha, com efeito, uma prima grávida nesse momento, e fiz a seguinte pergunta:


– Por que sinal poderei reconhecê-la?


– Terei uma cicatriz de dois centímetros do lado direito da cabeça.


A 15 de novembro disse a mesma entidade que, no mês de janeiro seguinte, deixaria de vir, sendo substituída por outro Espírito.


Procurei, desde esse instante, dar a essa prova todo o seu alcance e nada me seria mais fácil, depois de ter feito documentar oficialmente a predição e de conseguir um certificado médico do nascimento da criança.


Infelizmente, encontrei-me em presença de uma família que manifestava uma hostilidade agressiva contra o Espiritismo; estava desarmado.


No mês de janeiro de 1910 a criança nascia com uma cicatriz de dois centímetros do lado direito da cabeça. Ela tem, atualmente, 14 meses.”


O senhor Warcollier, engenheiro químico em Paris, relata o seguinte fato na Revue Scientifique et Morale de fevereiro de 1920:


“A senhora B... pertencia a uma família aristocrática com ideais da nobreza e me foi apresentada por uma pessoa de minha família, a senhora Viroux. Ela tinha perdido durante a guerra um filho que particularmente amava; ainda lhe restam outros filhos, sendo que um deles é uma filha casada, da qual falaremos a seguir. Os detalhes relativos a esse caso são conhecidos de todos os amigos da senhora B..., que haviam sido informados sobre o assunto no decorrer dos acontecimentos.


Alistado voluntário no início da guerra, seu filho ganhou rapidamente os galões de subtenente, mas foi morto em combate. A mãe teve um sonho no qual viu o local preciso, um planalto da estrada de ferro, onde o corpo de seu filho estava morto. Graças a esse sonho, ela encontrou os despojos do rapaz e os enterrou no cemitério da aldeia vizinha.


Alguns meses depois teve um outro sonho e viu seu filho, que lhe dizia: “Mamãe, não chores, vou voltar, não para ti, mas para minha irmã”. Ela não compreendeu o sentido dessas palavras; mas sua filha teve um sonho semelhante, no qual via seu irmão novamente criança brincando em seu próprio quarto. Nem uma nem outra pensava ou acreditava em reencarnação. A filha da senhora B..., que nunca tivera filhos, desolava-se a esse respeito. Mas logo depois ela ficou grávida.


Na noite que precedeu o nascimento, a senhora B... reviu seu filho em sonho. Ele lhe falou ainda de seu retorno e lhe mostrou um bebê recém-nascido que tinha os cabelos negros, que ela reconheceu perfeitamente quando o recebeu em seus braços algumas horas mais tarde. A senhora B... convenceu-se, mediante mil detalhes psicológicos e por traços curiosos de caráter, que essa criança era realmente seu filho reencarnado e, entretanto, afirma que antes não era reencarnacionista; era católica de nascimento e, por sua classe, totalmente simpatizante do clero; confessou que era absolutamente céptica, talvez até um pouco atéia, e nunca tinha freqüentado nem os espíritas nem os teósofos.”


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Indicamos neste capítulo as causas físicas do esquecimento das vidas anteriores. Não será conveniente, ao terminá-lo, colocarmo-nos em outro ponto de vista e inquirir se esse esquecimento não se justifica por uma necessidade de ordem moral? Para a maior parte dos homens, frágeis “canas pensantes” que o vento das paixões agita, não se nos afigura desejável a recordação do passado; pelo contrário, parece indispensável ao seu adiantamento que as vidas anteriores se lhes apaguem momentaneamente da memória.


A persistência das recordações acarretaria a persistência das idéias errôneas, dos preconceitos de casta, tempo e meio, numa palavra, de toda uma herança mental, um conjunto de vistas e coisas que nos custaria tanto mais a modificar, a transformar, quanto mais vivo estivesse em nós. Deparar-se-iam assim muitos obstáculos à nossa educação, aos nossos progressos; nossa capacidade de julgar achar-se-ia muitas vezes adulterada desde o berço. O esquecimento, ao contrário, permitindo-nos aproveitar mais amplamente os estados diferentes que uma nova vida nos proporciona, ajuda-nos a reconstruir nossa personalidade num plano melhor; nossas faculdades e nossa experiência aumentam em extensão e profundidade.


Outra consideração, mais grave ainda: o conhecimento de um passado corrupto, conspurcado, como deve suceder com o de muitos de nós, seria um fardo pesado. Só uma vontade de rija têmpera pode ver, sem vertigem, desenrolar-se uma longa série de faltas, de desfalecimentos, de atos vergonhosos, de crimes talvez, para pesar-lhes as conseqüências e resignar-se a passar por elas. A maior parte dos homens atuais é incapaz de tal esforço. A recordação das vidas anteriores só pode ser proveitosa ao Espírito bastante evolvido, bastante senhor de si para suportar-lhe o peso sem fraquejar, com suficiente desapego das coisas humanas para contemplar com serenidade o espetáculo de sua história, reviver as dores que padeceu, as injustiças que sofreu, as traições dos que amou. É privilégio doloroso conhecer o passado dissipado, passado de sangue e lágrimas, e é também causa de torturas morais, de íntimas lacerações.


As visões que se lhe vinculam, seriam, na maioria dos casos, fonte de cruéis inquietações para a alma fraca presa nas garras do seu destino. Se as nossas vidas precedentes foram felizes, a comparação entre as alegrias que nos davam e as amarguras do presente, tornaria estas últimas insuportáveis. Foram culpadas? A expectativa perpétua dos males que elas implicam paralisaria a nossa ação, tornaria estéril nossa existência. A persistência dos remorsos e a morosidade da nossa evolução far-nos-iam acreditar que a perfeição é irrealizável!


Quantas coisas, que são outros tantos obstáculos à nossa paz interna, outros tantos estorvos para nossa liberdade, não quiséramos apagar da nossa vida atual? Que seria, pois, se a perspectiva dos séculos percorridos se desenrolasse sem cessar, com todos os pormenores, diante da nossa vista? O que importa é trazer consigo os frutos úteis do passado, isto é, as capacidades adquiridas; é esse o instrumento de trabalho, o meio de ação do Espírito. O que constitui o caráter é também o conjunto das qualidades e dos defeitos, dos gostos e das aspirações, tudo o que transborda da consciência profunda para a consciência normal.


O conhecimento integral das vidas passadas apresentaria inconvenientes formidáveis, não só para o individuo, mas também para a coletividade; introduziria na vida social elementos de discórdia, fermentos de ódio que agravariam a situação da humanidade e obstariam a todo progresso moral. Todos os criminosos da História, reencarnados para expiar, seriam desmascarados; as vergonhas, as traições, as perfídias, as iniqüidades de todos os séculos seriam de novo assoalhadas à nossa vista. O passado acusador, conhecido de todos, tornaria a ser causa de profunda divisão e de vivos sofrimentos.


O homem, que vem a este mundo para agir, desenvolver as suas faculdades, conquistar novos méritos, deve olhar para frente e não para trás. Diante dele abre-se, cheio de esperanças e promessas, o futuro; a Lei Suprema ordena-lhe que avance resolutamente e, para tornar-lhe a marcha mais fácil, para livrá-lo de todas as prisões, de todo peso, estende um véu sobre o seu passado. Agradeçamos à Providência Infinita que, aliviando-nos da carga esmagadora das recordações, nos tornou mais cômoda a ascensão, a reparação menos amarga.


Objetam-nos, às vezes, que seria injusto ser castigado por faltas que foram esquecidas, como se o esquecimento apagasse a falta! Dizem-nos, (161)por exemplo: “Uma justiça, que é tramada em segredo e que não podemos pessoalmente avaliar, deve ser considerada como uma iniqüidade.”


Mas, em princípio, não há para nós em tudo um mistério? O talozinho de erva que rebenta, o vento que sopra, a vida que se agita, o astro que percorre a abóbada silenciosa, tudo são mistérios. Se só devemos acreditar no que compreendemos bem, em que é que havemos então de acreditar?


Se um criminoso, condenado pelas leis humanas, cai doente e perde a memória das suas ações (vimos que os casos de amnésia não são raros), segue-se daí que a sua responsabilidade desaparece ao mesmo tempo em que as suas lembranças? Nenhum poder é capaz de fazer com que o passado não tenha existido!


Em muitos casos seria mais atroz saber do que ignorar. Quando o Espírito, cujas vidas distantes foram culpadas, deixa a Terra e as más lembranças se avivam outra vez para ele, quando vê levantarem-se sombras vingadoras, acaso o lamenta o tempo do esquecimento? Acusa a Deus por ter-lhe tirado com a memória das suas faltas a perspectiva das provas que elas implicam?


Basta-nos, pois, conhecer qual é o fim da vida, saber que a justiça divina governa o mundo. Cada um está no local que para si fez e não sucede nada que não seja merecido. Não temos por guia nossa consciência e não brilham com vivo clarão, na noite de nossa inteligência, os ensinamentos dos gênios celestes?


O espírito humano, porém, flutua agitado por todos os ventos da dúvida e da contradição. Às vezes acha que tudo vai bem e pede novas energias vitais; outras, amaldiçoa a existência e clama o aniquilamento. Pode a Justiça Eterna conformar os seus planos com as nossas vistas efêmeras e variáveis? Na própria pergunta está a resposta. A justiça é eterna porque é imutável. No caso que nos ocupa, é a harmonia perfeita que se estabelece entre a liberdade dos nossos atos e a fatalidade das suas conseqüências. O esquecimento temporário das nossas faltas não evita o seu efeito. É necessária a ignorância do passado para que toda a atividade do homem se consagre ao presente e ao futuro, para que se submeta à lei do esforço e se conforme com as condições do meio em que renasce.


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Durante o sono, a alma exerce a sua atividade, pensa, vagueia. Às vezes remonta ao mundo das causas e torna a encontrar a noção das vidas passadas. Do mesmo modo que as estrelas brilham somente durante a noite, também o nosso presente deve acolher-se à sombra para que os clarões do passado se acendam no horizonte da consciência.


A vida na carne é o sono da alma; é o sonho triste ou alegre. Enquanto ele dura, esquecemos os sonhos precedentes, isto é, as encarnações passadas; entretanto, é sempre a mesma personalidade que persiste nas suas duas formas de existência. Em sua evolução atravessa alternadamente períodos de contração e dilatação, de sombra e de luz. A personalidade retrai-se ou se expande nesses dois estados sucessivos, assim como se perde e torna a encontrar-se através das alternativas do sono e da vigília, até que a alma, chegada ao apogeu intelectual e moral, acabe por uma vez de sonhar.


Há em cada um de nós um livro misterioso onde tudo se inscreve em caracteres indeléveis. Fechado à nossa vista durante a vida terrena, abre-se no espaço. O Espírito adiantado percorre-lhe à vontade as páginas; encontra nele ensinamentos, impressões e sensações que o homem material a custo compreende.


Esse livro, o subconsciente dos psiquistas, é o que nós chamamos o perispírito. Quanto mais se purifica, tanto mais as recordações se definem; nossas vidas, uma a uma, emergem da sombra e desfilam em nossa frente para nos acusarem ou glorificarem. Todos os fatos, os atos, pensamentos mínimos, reaparecem e impõem-se à nossa atenção. Então o Espírito contempla a tremenda realidade; mede o seu grau de elevação; sua consciência julga sem apelação nem agravo. Como são suaves para alma, nessa hora, as boas ações praticadas, as obras de sacrifício! Como, porém, são pesados os desfalecimentos, as obras de egoísmo e iniqüidade!


Durante a reencarnação, é preciso relembrá-lo, a matéria cobre o perispírito com seu manto espesso; comprime, apaga-lhe as radiações. Daí o esquecimento. Livre desse laço, o Espírito elevado readquire a plenitude da sua memória; o Espírito inferior mal se lembra da sua última existência; é para ele o essencial, pois que ela é a soma dos progressos adquiridos, a síntese de todo o seu passado; por ela pode avaliar sua situação. Aqueles cujo pensamento não se penetrou, no nosso mundo, da noção das preexistências ignoram por muito tempo suas vidas primitivas, as mais afastadas. Daí a afirmação de numerosos Espíritos, em certos países, de que a reencarnação não é uma lei. Esses tais não interrogaram as profundezas do seu ser, não abriram o livro fatídico onde tudo está gravado. Conservam os preconceitos do meio terrestre em que viveram e esses preconceitos, em vez de incitá-los àquela investigação, dissuadem-nos dela.


Os Espíritos superiores, por sentimento de caridade, conhecendo a fraqueza dessas almas, julgando que o conhecimento do passado não lhes é ainda necessário, evitam atrair-lhes para esse ponto a atenção, a fim de lhes pouparem a vista de quadros penosos. Mas, chega um dia em que, pelas sugestões do Alto, sua vontade desperta e rebusca nos recessos da memória. Então as vidas anteriores lhes aparecem como miragem longínqua. Há de chegar o tempo em que, estando mais disseminado o conhecimento dessas coisas, todos os Espíritos terrestres, iniciados por uma forte educação na lei dos renascimentos, verão o passado desenrolar-se à sua frente logo depois da morte e até, em certos casos, durante esta vida. Terão adquirido a força moral necessária para afrontarem esse espetáculo sem fraquejar.


Para as almas purificadas a recordação é constante. O Espírito elevado tem o poder de reviver à vontade o passado, o presente e o misterioso futuro, cujas profundidades se iluminam por instantes, para ele, com rápidos clarões, para em seguida mergulharem nas sombras do desconhecido.